Por que ler os clássicos?

Acontece
Por que ler os clássicos? 10 fevereiro 2011

Italo Calvino é um escritor profícuo e variado. Nascido em Cuba, de pais italianos, transformou-se num dos mais importantes escritores do século XX. Desde o curioso diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan, “As cidades invisíveis”, provavelmente seu romance mais conhecido, a “Seis propostas para o próximo milênio” (conjunto de palestras que daria em Harvard se não tivesse morrido antes, deixando-as providencialmente escritas), Calvino transborda os atributos que queria ver conferidos ? literatura futura: leveza, rapidez e multiplicidade. Essas propostas sofreram críticas várias, entre elas que antes o romancista Calvino ao literato Calvino; que nada trazem de novo, estas palestras; que ainda por cima parecem muito desorganizadas… Ainda assim, quando as li, gostei delas, como gostei de tudo o que, até hoje, li do mestre italiano. A crítica literária está aí para isso mesmo – tecer comentários elaborados, que esbarram em outros e nos ajudam a chegar mais próximos a uma ideia própria, flexibilizando o nosso processo de pensar através do pensamento alheio.

Lembrei-me de Calvino porque fui, agora ? tarde, em busca de outro de seus livros, “Por que ler os clássicos?” – tomo-lhe emprestado o título. Divaguei na direção dessa pergunta por precisar elaborar alguma espécie de ementa de curso que contemplasse respostas possíveis. As de Calvino seriam as primeiras. Lembro-me que a impressão que esse livro deixou em mim foi o balançar das certezas (literárias) que tinha, e a descoberta de que todas (literárias e não só) sempre e a qualquer tempo são contestáveis.

Não achei o livro – emprestei-o a alguém, ainda não voltou. Uma sorte: a sua falta fez-me pensar em contrastes entre semelhantes, não sei bem por qual associação de ideias. Passeando as gemas dos dedos pelas quinas das prateleiras, fui dar ? quela em que se enfileiram todos os Machados de Assis aqui de casa. Não a frequento muito, ultimamente, e a percepção da falta fez-me parar. Decido retirar da mesma algo conhecido, emblemático, quem sabe se alguma coisa que todo vestibulando (por exemplo) esteja fadado a ler. “O alienista”, portanto. Por que lê-lo? De novo, ainda mais?

Não é suficiente, falta-me algo que me absorva a tarde inteira. Quero os contrastes, mas não os evidentes, antes aqueles que se camuflam nas dobras das coisas. Da prateleira de cima, acena-me insistente “Pai Goriot”, ao lado das “Ilusões perdidas” que prefiro não ler agora. Balzac. Há anos me pergunto, sem ter tido antes tempo de pensar em solucionar a dúvida, porque esses dois escritores parecem-me tão diferentes. Ainda que as ideias de base sejam comuns, o ideário realista solidamente presente em ambos, fruto provável de seu tempo (diriam eles com certeza). Imagino que, sendo ambos clássicos, possam responder-me a pergunta que Calvino se fez e para a qual não encontro a resposta que deixou escrita.

“Pai Goriot” em uma mão, “O alienista” na outra. Pareço, ao passar pelo espelho da entrada, disposta a qualquer coisa. Antecipo o prazer de afundar na poltrona da sala e ler até os olhos me pedirem trégua. Um prazer que devo honrar – nem todos os que querem podem fazer o mesmo, e os que não querem ainda não descobriram, entre outras coisas, por que ler os clássicos.

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