Tenho saudades crónicas
das coisas que não vivi.
Tenho saudades crónicas
e sofro dentro delas,
sozinha e em silêncio,
porque é da natureza destas saudades que assim seja:
não há como alguém que não viveu sentir as saudades que sinto do que não existiu.
Saudades crónicas como estas aqui, ao meu lado esquerdo:
saudades dos teus dedos longos que não apertei
ou do vento que não me embaraçou em teus cabelos.
Ou estas, tímidas dentro de seus estojos:
saudades das covas fundas dos teus olhos para onde nunca espreitei
ou das ondas que não me soluçaram em teu mergulho.
Ou ainda estas, de todas as mais loucas:
saudades das palavras que tinhas guardado para me dizeres (e eu a ti).
Porque a existência da verdade destas saudades que me habitam
está naquilo que não é feito, nem dito, nem engolido pelos olhos
enquanto a onda do mar escorrega para dentro do fim do mundo.
A estas saudades crónicas
deito-as todas as noites.
Sei que de manhã estarão no mesmo lugar inalcançável,
na companhia do brilho encoberto dos tecidos incompletos,
e a mim enlaçam-me,
estas minhas saudades crónicas,
e não me largam e só me afrouxam
quando choro
e muito.