O fisioterapeuta André Luís Bertani escolheu o tabagismo como tema de sua pesquisa na Faculdade de Medicina de Botucatu
O Dia Nacional de Combate ao Fumo, comemorado em 29 de agosto, busca reforçar as ações de sensibilização e mobilização da população para mitigar os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) aponta que o Brasil, em 2019, ainda mantinha 12,8% da população usuária de derivados do tabaco, além de 9,2% de fumantes passivos.
Os números colocam o tabagismo como um grave problema de saúde coletiva. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 200 mil pessoas morrem por ano no Brasil em decorrência dos malefícios causados pelo hábito de fumar. Estima-se que existam cerca de 50 doenças que podem ser atribuídas a essa ação.
Além disso, o uso do tabaco é responsável por um gasto anual equivalente a R$ 125 bilhões dos cofres públicos voltados ao tratamento de doenças como o câncer de pulmão, incluindo custos médicos diretos e indiretos, sem contar os recursos gastos pelo SUS para tratar a dependência da nicotina.
Tratamento
O Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) no Sistema Único de Saúde (SUS), que passa a oferecer tratamento para o tabagismo e dependência da nicotina. A medida foi publicada no dia 13 de junho no Diário Oficial e tem como objetivo reduzir a prevalência de usuários no país.
O novo PNCT tem a missão de “articular a rede de tratamento do tabagismo no SUS, o Programa Saber Saúde, as campanhas e outras ações educativas e a promoção de ambientes livres da fumaça do tabaco”. As secretarias estaduais e municipais de Saúde deverão implementar o programa em suas áreas de atuação e a coordenação nacional será do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
A atuação se dará em três grandes eixos: cuidado integral, educação e vigilância. Entre as ações voltadas ao cuidado integral estão o tratamento, prevenção da iniciação ao tabagismo e proteção da exposição à fumaça, para evitar o consumo passivo. No eixo educação, o novo programa prevê qualificação de profissionais de saúde, gestores do PNCT, profissionais de vigilância sanitária, além do fomento de ações educativas voltadas à população. Já o eixo vigilância em saúde prevê ações de monitoramento de consumo do tabaco tradicionais ou com acessórios como um bong e seus derivados, assim como de outros produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, e até de produtos ilegais.
Base para pesquisa
O fisioterapeuta André Luís Bertani escolheu o tabagismo como pilar para sua pós-graduação na disciplina de Pneumologia do Programa de Fisiopatologia em Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/Unesp). Coordenador de estudos clínicos na Unidade de Pesquisa Clínica (Upeclin), recentemente teve sua dissertação de mestrado e tese de doutorado publicadas em forma de livro pela editora europeia ELIVA. (Smoking in special population groups: alternative forms of tobacco products, knowledge, results and approach: A comprehensive material for reference learning and training)
No mestrado, através de uma pesquisa observacional, Bertani estudou o perfil, os hábitos e o nível de conhecimento de dois grupos populacionais sobre o tabagismo. O trabalhou inclui estudantes de uma escola estadual de nível médio (EECA) e gestantes atendidas em unidades de saúde de Botucatu e no Ambulatório de Ginecologia do HCFMB.
A investigação avançou para dimensionar a prevalência do uso de cigarros convencionais e formas alternativas bastante conhecidas nos dias de hoje como cigarros eletrônicos, narguilé e cigarros de palha. Os dados ajudaram a entender como o hábito de fumar se inicia e é mantido apesar da ampla divulgação dos malefícios causados.
“Mesmo com todas as campanhas que existem hoje, restrições, aumento de impostos, ainda assim identificamos que o nível de conhecimento é baixo junto a esses públicos. Isso de certa forma explica porque ainda há tanta gente fumando. Acredito que o conhecimento é uma fonte de formação de opinião. O conhecimento ajuda você a ter mais embasamento para sua tomada de decisão”, comenta o pesquisador.
No doutorado, ao verificar uma prevalência grande de mulheres grávidas que fumavam cigarros convencionais (industrializados), além de formas alternativas, principalmente cigarros eletrônicos e narguilé, Bertani criou uma abordagem direcionada especificamente para gestantes, baseada em sessões de aconselhamento individualizadas, com conteúdo voltado para estimular a cessação do tabagismo durante a gestação, e que pudesse ser incorporada ao serviço público de acompanhamento da gestação, o chamado pré-natal.
O trabalho incluiu 127 gestantes atendidas no Ambulatório de Ginecologia do HCFMB, divididas em grupos de intervenção e controle. O primeiro recebeu oito sessões de aconselhamento específicos tratando das fases da gestação, os malefícios que o fumo causa à mulher e ao feto que está sendo gerado, os benefícios ao parar de fumar, as consequências para o momento do parto e depois para o recém-nascido (risco de nascimento com baixo peso, morte súbita, aborto). Já o grupo controle recebeu material educativo, participou de uma sessão de aconselhamento e foi acompanhado.
Material específico foi produzido para ser aplicado nas sessões de aconselhamento. Também foi elaborado um vídeo com orientações entregue a todas as gestantes que fizeram parte do estudo, além de uma cartilha impressa ilustrada voltada a gerar conhecimento para mudança de hábitos.
“Como resultados mais importantes deste trabalho, identificamos uma alta prevalência de gestantes que, além de fumar cigarros convencionais, fumavam também formas alternativas de tabaco como, cigarros eletrônicos e narguilé, o que é uma informação bastante preocupante pois, estas formas de tabagismo ajudam a perpetuar a dependência na população. Em contrapartida, nossa abordagem se mostrou eficaz pois, uma quantidade significativa de gestantes que receberam tratamento, conseguiram parar de fumar”, afirma.
A taxa de cessação do uso de tabaco no grupo de intervenção foi de 64% e no grupo controle acima de 30%. Por se tratar de uma abordagem simples e de baixo custo, Bertani defende sua incorporação na rede pública de saúde. “Depende apenas de interesse e vontade em implementar. O custo se limita ao treinamento das equipes e material a ser distribuído. Poderia ser implementado aqui no Hospital das Clínicas como aconteceu no período do estudo e também nas unidades básicas que oferecem o pré-natal. A proposta é potencializar o serviço incluindo a abordagem tabágica. Poderiam desenvolver sessões em grupo e o acompanhamento dessas gestantes”, comenta.
Sua intenção agora é avançar no trabalho com gestantes atualizando a situação das mulheres que contribuíram para sua tese de doutorado em 2017. A ideia é verificar qual a relação desse grupo com o tabagismo nos dias de hoje.
Rastreamento
O tabagismo é o principal fator causador do câncer de pulmão. Esse tipo de câncer é o segundo mais comum em todo mundo, depois do câncer de mama. No Brasil, é o quarto em incidência, atrás dos cânceres de mama, próstata e intestino. O Serviço de Cirurgia Torácica (Ambulatório de Nódulos Pulmonares), o Serviço de Pneumologia e o Programa de Cessação de Tabagismo do HCFMB uniram-se com o objetivo de rastrear possíveis casos de câncer de pulmão.
A iniciativa faz parte de um projeto de pesquisa com duração de dois anos que tem buscado identificar precocemente a doença em indivíduos acima dos 55 anos de idade. “Mais de 80% dos pacientes são diagnosticados tardiamente com o câncer de pulmão”, lembra a cirurgiã torácica do HCFMB, Drª Isadora Rubira Furlan.
“As pessoas que passam pelo Ambulatório de Cessação de Tabagismo são abordadas e convidadas a participar do rastreio com tomografia, se estiver dentro dos critérios de inclusão”, explica a cirurgiã torácica do HCFMB, Drª Ivana Teixeira de Aguiar.
De acordo com os resultados dos exames, a equipe médica decide pelo acompanhamento, biópsia ou encaminhamento para os profissionais responsáveis pelo tratamento. Além disso, o “Programa Inspire Saúde Respiratória”, iniciativa que visa rastrear, informar, monitorar e educar pessoas que apresentem ou possam apresentar problemas respiratórios, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e o Câncer de Pulmão, tem direcionado indivíduos com necessidade de seguimento especializado para o Ambulatório de Nódulos Pulmonares.
(com informações da Agência Brasil, Instituto Nacional de Câncer (Inca) e Gerência de Comunicação, Imprensa e Marketing do HCFMB)
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