Biomaterial desenvolvido pela Unesp vai tratar incontinência de mães com diabetes na gestação

Saúde
Biomaterial desenvolvido pela Unesp vai tratar incontinência de mães com diabetes na gestação 20 outubro 2021

Pesquisadores da Unesp de Botucatu e de Bauru desenvolveram uma nova tecnologia feita com borracha natural (látex) e células-tronco que poderá revolucionar o tratamento e prevenção da incontinência urinária em mulheres que desenvolvem diabetes na gestação, condição que favorece a atrofia dos músculos da região pélvica, dificultando sua contração. De baixo custo, fácil manuseio e produzido com matéria-prima brasileira, o biomaterial é capaz de regenerar a parte afetada sem causar dor ou demandar sessões de fisioterapia. Testes realizados com animais mostraram que o produto é eficaz e não gera efeitos tóxicos.

A tecnologia, que poderá ser introduzida durante a própria cesárea, é uma membrana que funciona como uma rede para guardar as células-tronco. Após ser inserido na paciente e entrar em contato com músculos da região pélvica, o material passa a liberar aos poucos proteínas bioativas presentes no látex que, em conjunto com as células-tronco, auxiliam na recuperação do tecido e resgatam sua funcionalidade.

“O material oferece condições para que as células ali colocadas se proliferem sem que elas migrem para outros locais do organismo. Como a borracha custa barato, a tecnologia desenvolvida é acessível e tem um alto potencial de ser aplicada”, explica Juliana Floriano, pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu e uma das responsáveis pela inovação.

Para atender mulheres que realizam parto normal, a cientista desenvolveu uma “segunda versão” do produto, um dispositivo vaginal que pode ser introduzido pela própria gestante sem causar desconforto. A diferença é que, ao invés de possuir células-tronco, o dispositivo de látex apenas libera proteínas que atraem esse tipo de célula regenerativa para o local que precisa ser tratado.

“Mulheres que não forem para a cesárea e tenham incontinência urinária podem usar esse segundo produto que nós desenvolvemos, que é um dispositivo que a própria paciente insere. Ela mesma coloca e ela mesma remove 10 dias depois”, destaca Floriano. As proteínas liberadas pelo material emitem um sinal, como se fosse uma inflamação, atraindo as células-tronco que saem da medula óssea, passam pelos vasos sanguíneos e chegam até os tecidos. Essas células, por sua vez, também emitem sinais que ativam as células-tronco musculares (satélites), que se proliferam e constroem novas fibras saudáveis que recuperam a função da musculatura.

“Não precisa de cirurgia e não dói nada. Esse dispositivo vaginal, desenvolvido em parceria com pesquisadores dos Estados Unidos, possui grande biodisponibilidade em todos os músculos e órgãos importantes para a continência urinária: uretra, bexiga e assoalho pélvico. Ou seja, além de regenerar, ele também poderá atuar na prevenção, já que a mulher também pode desenvolver incontinência urinária após o parto”, declara a pesquisadora.

De acordo com registros médicos, muitas pacientes podem sofrer desse tipo de problema por até dois anos após darem à luz, já que ainda não há tratamento efetivo, mas sim paliativo. “Muitas puérperas procuram por fisioterapia ou cirurgia, mas nem a operação é garantia de que a questão será resolvida. 30% voltam a apresentar o distúrbio, já que o tratamento é muito complexo. Elas ficam constrangidas, muitas deixam o mercado de trabalho, além de elevar muito os custos em saúde pública”, relata Floriano.

Ela, que também é pesquisadora honorária do Imperial College London, na Inglaterra, conta que as invenções foram testadas em ratas diabéticas gestantes com miopatia muscular com a ajuda de um modelo experimental que reproduziu nas roedoras o mesmo problema encontrado nas mulheres. As fêmeas tiveram os produtos introduzidos e passaram a ser acompanhadas pelos pesquisadores.

Os resultados foram animadores: em apenas dois meses, a musculatura da região pélvica dos animais já havia sido recuperada, respondendo normalmente a estímulos elétricos induzidos pelos cientistas. Além disso, nenhum tipo de efeito tóxico foi observado nas roedoras. “A nossa surpresa foi muito grande quando olhamos para as análises. Ficamos realmente entusiasmados, sem dúvida é um resultado muito promissor”, diz.

As duas novas tecnologias já foram patenteadas pela Agência Unesp de Inovação (AUIN). O professor Carlos Frederico de Oliveira Graeff, docente do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Unesp em Bauru e orientador dos estudos que resultaram nas tecnologias, falou sobre a função de regeneração vegetal do látex.

“Quando é feito um corte em um tronco, a função do látex é recuperar aquela árvore. No organismo humano, esse material é estável, compatível e apresenta características próprias que promovem por si só o crescimento de vasos sanguíneos, o que é fundamental para o reparo de tecidos”, afirma.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de seringueiras cultivadas na Fazenda Experimental da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu, e contou com especialistas de diferentes áreas, como biólogos, engenheiros florestais, físicos, químicos, entre outros. Para criar a membrana, foi preciso elaborar um novo método de extração da borracha, com uma série de cuidados e tratamentos específicos, sem aditivos químicos.

Para que o líquido não coagulasse, como geralmente acontece quando ele é retirado da árvore, o material foi extraído em baixa temperatura e depois passou por uma centrifugação para remover possíveis impurezas coletadas durante o processo. Em seguida, uma camada fina de látex foi depositada em uma placa, formando membranas que secam por sete dias em uma estufa a 50°C. “Fizemos testes de toxicidade e biocompatibilidade. O risco do corpo rejeitar o material é muito pequeno”, ressalta o professor.

Agora, os cientistas buscam empresas parceiras, sejam do Brasil ou do exterior, que possam colaborar com o início de testes clínicos, nos quais o material deverá ser aplicado diretamente em seres humanos. “São anos de estudos, porém ainda temos um bom caminho a ser percorrido. Queremos fazer com que esses tratamentos cheguem ao mercado”, revela Graeff. O desenvolvimento das inovações contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Fonte: JCNet

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