Foram 1,7 mil queixas formalizadas nas delegacias paulistas. Há seis meses, o crime virou lei no Brasil e facilitou a punição dos agressores, mas subnotificação segue alta.
O estado de São Paulo registrou um boletim de ocorrência a cada duas horas e meia por violência psicológica cometida contra mulheres. Segundo dados obtidos em primeira mão pela GloboNews, foram 1.754 queixas formalizadas nas delegacias paulistas – tanto presencialmente quando no portal da Secretaria de Segurança Pública.
Há exatos seis meses, uma lei sancionada pelo governo federal tornou crime a violência psicológica, mas muitos casos ainda são subnotificados porque as vítimas não sabem que têm esse recurso ou por medo de denunciar.
A violência psicológica pode não ser vista como crime porque muitas vítimas entendem que por não deixar marcas físicas o agressor não poderia ser punido criminalmente. Mas as consequências da violência psicológica podem ser profundas na saúde de quem sofre, como ansiedade, depressão, pensamentos suicidas, e ser o início de um ciclo abusivo que pode se intensificar e se transformar também em agressões físicas ou até mesmo um feminicídio.
“É muito interessante quando a gente conversa com vítimas de violência psicológica, elas sempre dizem que é difícil entender que aquilo é uma violência porque não deixa marca física. Então não é uma violência física que deixa marca, uma violência patrimonial que deixa uma marca em algum objeto, por exemplo, um celular”, explica a coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado São Paulo, Jamila Jorge Ferrari.
“Na verdade são humilhações, impedimentos do direito de ir e vir dessa mulher, impedimento dessa mulher de trabalhar ou estudar. E tudo isso não deixa marca e é difícil inclusive pra mulher entender que ela está sendo vítima, e até muitas vezes paras pessoas no em torno dessa mulher entenderem que ela está sendo vítima”, completa.
Pelo Código Penal, a violência psicológica consiste em “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
De acordo com o texto, a punição para o crime de violência doméstica pode variar entre seis meses a 2 anos de prisão e pagamento de multa.
A pena pode ser maior se a conduta constituir crime mais grave. Com a medida, as condutas que podem se enquadrar neste crime foram mais bem detalhadas, facilitando a responsabilização do autor e contribuindo com a proteção da vítima.
De acordo com Zilmara Macedo, uma das lideranças do projeto Justiceiras – uma força-tarefa que oferece atendimento e orientação jurídica, psicológica, socioassistencial e médica para mulheres vítimas de violência doméstica em todo o país, a plataforma recebeu só na quinta-feira (27) o pedido de ajuda de 55 mulheres com relatos de violência psicológica.
Mas, ser um crime considerado ainda muito recente, a subnotificação não deixa de existir. “É até difícil aquela vítima entender que está sendo vítima, que há um dano emocional causado por conta daquele relacionamento, e também por causa do desconhecimento.
Mas precisamos sempre estar falando, dando essas informações para as mulheres, especificamente para as que vivem em um relacionamento amoroso, dentro de casa, dentro de uma relação doméstica e familiar, que existe esse dano, que existe essa violência, e que ela deve procurar ajuda”, completou a coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo.
Para uma das lideranças do projeto Justiceiras, Zilmara Macedo, ainda faltam muitas informações que estimulem a denúncia e orientem as mulheres sobre os seus direitos e os recursos que ela pode adquirir ao denunciar o agressor.
“Têm muitas vítimas que ainda não sabem que podem fazer o boletim contra violência psicológica. Elas acham que só é aquela violência física dentre outras que a gente tem, vários tipos de violência que a gente tem. Mas a violência psicológica para elas ainda é bem desconhecida. Por isso que a gente enfatiza muito essa parte, pra que ela seja empoderada, porque a autoestima dela quando vem pra procurar está lá embaixo, já está muito sofrida”.
Como provar
Como a violência psicológica não deixa marcas físicas, muitas vítimas podem ter receio de denunciar com medo de serem desacreditadas e não conseguirem comprovar as agressões à Polícia Civil no momento do registro do boletim de ocorrência. Mas segundo a coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado São Paulo, Jamila Jorge Ferrari, os investigadores podem recorrer a diversas provas e depoimentos para confirmar o crime.
“O que a gente sempre tem que buscar nessas investigações são, claro, o depoimento da vítima, até para ela relatar o que estava acontecendo e o que acontece com ela durante o dia a dia, durante o relacionamento. Ouvir testemunhas que têm contato com a vítima e que vão mostrar que muitas vezes essa vítima era de um jeito antes esse relacionamento e passou a estar triste, deprimida, passou de visitar os pais, porque era proibida pelo companheiro… Essas testemunhas são muito importantes. Colegas de trabalho também podem mostrar que essa vítima mudou perfil, passou a trabalhar menos, a faltar mais o trabalho. Tudo isso são provas importantes e também muitas dessas dessas vítimas passam a desenvolver algum tipo de distúrbio psicológico”, afirma.
Ainda de acordo com a Polícia Civil, é possível requisitar informações médicas da vítima para confirmar a denúncia de violência psicológica e a punição do agressor. “A gente pode pedir um relatório psicológico, eventualmente informações de remédios específicos que essa vítima esteja tomando, e que passou a tomar por conta desse relacionamento, ou após algumas situações específicas acontecerem. O simples fato de pedir essas provas e juntar essas provas, a gente já consegue caracterizar violência psicológica”, completa.
Como denunciar
As vítimas de violência psicológica podem e devem procurar a Polícia Civil para denunciar o crime. Em São Paulo, os registros podem ser feitos nas delegacias físicas e eletrônica (https://www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br/ssp-de-cidadao/home). Caso a violência seja praticada no ambiente doméstico e familiar, a vítima poderá também solicitar medida protetiva de urgência, como previsto na Lei Maria da Penha.
Em uma situação emergencial: disque 190:
É o número de telefone da Polícia Militar que deve ser acionado em casos de necessidade imediata ou socorro rápido.
Campanha Sinal Vermelho
O Conselho Nacional de Justiça se uniu à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e lançaram, em junho de 2020, a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica. A ideia central é que a mulher consiga pedir ajuda em farmácias, órgãos públicos e agências bancárias com um sinal vermelho desenhado na palma da mão.
Central de Atendimento à Mulher: 180
O Ligue 180 presta uma escuta e acolhida às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher. O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)
São unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais dever ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios do Estado Democrático de Direito.
Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas delegacias comuns
Constituem espaços de atendimento à mulher em situação de violência (que em geral, contam com equipe própria) nas delegacias comuns.
Defensorias públicas e defensorias da mulher
As Defensorias da Mulher têm a finalidade de dar assistência jurídica, orientar e encaminhar as mulheres em situação de violência. É órgão do Estado, responsável pela defesa das cidadãs que não possuem condições econômicas de ter advogado contratado por seus próprios meios. Possibilitam a ampliação do acesso à Justiça, bem como, a garantia às mulheres de orientação jurídica adequada e de acompanhamento de seus processos.
Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos
Dá para denunciar pelo site da Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos, do Governo Federal através do link: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh.
Fonte: G1
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