Promotores de Justiça e procuradores da República de diferentes regiões estão instaurando procedimentos para apurar denúncias de favorecimento a pessoas que, mesmo não fazendo parte de nenhum dos grupos considerados prioritários, teriam recebido a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus.
Levantamento da Agência Brasil aponta que, em ao menos dez estados, além do Distrito Federal, denúncias já motivaram os ministérios públicos estaduais e Federal a cobrar explicações dos governos locais sobre eventuais irregularidades na fila de prioridade, prevista no plano federal e em planos estaduais de vacinação.
Elaborado por representantes de órgãos governamentais e não governamentais, como sociedades científicas e conselhos profissionais e de secretários de Saúde, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 define a estratégia nacional de enfrentamento à pandemia e a ordem de vacinação. Entre outras coisas, o plano nacional estabelece como prioritária a vacinação de profissionais de saúde, principalmente os que estão na linha de frente do atendimento a pacientes com a covid-19; idosos acima de 60 anos vivendo em instituições de longa permanência (asilos e casas de repouso); portadores de deficiência com mais de 18 anos institucionalizados e indígenas de terras homologadas.
Até o momento, o país dispõe de 6 milhões de doses da vacina disponibilizadas pelo Instituto Butantan, de São Paulo. Considerando a necessidade de duas doses por pessoa, é uma quantidade suficiente para imunizar pouco mais de 2,8 milhões de pessoas em todo o país, segundo o Ministério da Saúde. O país deve receber, ainda hoje (22), mais 2 milhões de doses da vacina desenvolvida pela farmacêutica britânica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, e fabricadas pelo laboratório indiano Serum.
Amapá
A Promotoria de Justiça de Pedra Branca do Amapari (AP) instaurou um inquérito civil para apurar se o secretário municipal de Saúde, Randolph Antônio Pinheiro da Silva, se valeu do cargo para furar a fila e receber a vacina contra a covid-19 antes de outras pessoas.
O inquérito foi aberto após fotos do secretário e de sua esposa sendo vacinados terem sido compartilhadas nas redes sociais. Se ficar constatado que Silva agiu ilicitamente, ele deverá responder por improbidade administrativa, além de infração de medida sanitária preventiva.
“É notória a insuficiência das doses da vacina da covid- 19 para imunização da população como um todo. Por isso, as autoridades públicas instituíram a ordem de prioridade. Caso sejam constatados os fatos noticiados, o MP velará pela restauração da legalidade e responsabilização dos envolvidos”, afirmou a promotora de Justiça Thaysa Assum de Moraes ao conceder prazo de 48 horas para que o secretário se manifeste e a secretaria municipal apresente a lista com os nomes das pessoas já vacinadas na cidade, bem como os critérios de seleção destas pessoas.
Amazonas
Em Manaus, onde a campanha de vacinação iniciada nesta terça-feira (19) foi interrompida para que o planejamento inicial fosse “reorganizado”, a Procuradoria da República (MPF-AM) cobra, na Justiça, que a prefeitura seja obrigado a prestar informações diárias sobre as pessoas que estão sendo vacinadas.
O órgão também notificou duas jovens médicas recém-contratadas pela Secretaria Municipal de Saúde, as irmãs Gabrielle Kirk Maddy Lins e Isabelle Kirk Maddy Lins, a prestarem esclarecimentos. Segundo o MPF, embora não estejam na linha de frente do combate a covid-19 e não façam parte dos grupos prioritários, as duas já foram vacinadas.
A prefeitura deve apresentar a lista dos profissionais de saúde já vacinados, a escala de trabalho dos profissionais da Unidade Básica de Saúde Nilton Lins para este mês e a relação de atendimentos que estes mesmos profissionais fizeram nos dias 18 e 19, quando as vacinas foram aplicadas em quem estava trabalhando.
O MPF também recomendou à prefeitura que revogue qualquer norma proibindo servidores públicos de compartilharem, pelas redes sociais, imagens da aplicação das vacinas – medida anunciada pelo prefeito David Almeida após a repercussão negativa do caso das irmãs Lins. Almeida nega irregularidades na seleção dos beneficiados.
“Não podemos deixar que grupos prioritários e pessoas com comorbidades que estão a frente de todo esse trabalho contra a covid-19 sejam substituídos por outros grupos que [correm] menos riscos”, justificou, em nota, a procuradora Silvana Nobre Cabral, coordenadora do Grupo de Covid-19 montado pelo Ministério Público estadual.
Bahia
O Ministério Público da Bahia e a Procuradoria da República no estado decidiram atuar conjuntamente para apurar suspeitas de irregularidades. Duas ações civis conjuntas já foram ajuizadas contra o prefeito de Candiba, Reginaldo Martins Prado, de 60 anos, acusado de fular a fila para tomar a primeira dose da vacina.
“O gestor, que não pertence ao grupo de prioridade da primeira fase de vacinação contra a covid-19, burlou os protocolos nacional e estadual e foi o primeiro a ser vacinado no município”, sustentam promotores e procuradores ao pedir à Justiça Federal que Prado seja condenado por improbidade administrativa; obrigado a pagar uma multa de R$ 145 mil e impedido de receber a segunda dose do imunizante até que chegue sua vez.
A foto de Prado sendo vacinado chegou a ser divulgada em perfis da prefeitura nas redes sociais. Diante da repercussão negativa, o prefeito disse ter decidido tomar a dose do imunizante para incentivar a população de Candiba a se vacinar. Por sua vez, o Ministério Público da Bahia informa que a cidade de pouco mais de 14 mil habitantes só recebeu cem doses do imunizante até agora.
Ceará
Supostas irregularidades em ao menos três cidades do Ceará motivaram o Ministério Público estadual a adotar providências preliminares para apurar se servidores públicos e outras pessoas infringiram as regras do programa de vacinação ao se vacinarem antes do tempo. A apuração já teve início na cidade de Juazeiro do Norte e está pronta a começar no município de Eusébio.
Em Quixadá, a 3ª Promotoria de Justiça recomendou à prefeitura que encaminhe, em até cinco dias, a lista das pessoas que já foram vacinadas, especificando as razões pelas quais cada uma delas foi enquadrada no grupo prioritário definido pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde.
Distrito Federal
Membros da força-tarefa de enfrentamento a covid-19 criada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios afirmam ter recebido, nesta quarta-feira (20), relatos sobre servidores públicos sendo imunizados indevidamente, o que os motivou a pedir esclarecimentos à Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
“Estamos investigando o que consideramos uma grave falha”, afirmou o coordenador da força-tarefa, o procurador de Justiça José Eduardo Sabo, em nota. “Infelizmente, recebemos denúncias, fotos e mensagens, de diversas localidades”, acrescentou o procurador, para quem as denúncias podem indicar a necessidade de melhorar a organização da campanha.
De acordo com Sabo, se confirmadas, as denúncias “representam uma violação ética inaceitável e um grave descumprimento da lei”, estando os envolvidos passíveis de sanções administrativa e penal.
Pará
Também a Promotoria de Justiça de Bragança (PA) instaurou procedimento extrajudicial para apurar denúncias sobre uma mulher supostamente vacinada enquanto participava da reforma do Hospital Santo Antônio Maria Zaccaria. Segundo o MP do Pará, a mulher teria recebido o imunizante sem fazer parte de qualquer um dos grupos considerados prioritários.
“Ainda não se sabe como ela fez para tomar a vacina, mas a suspeita é de que ela tenha utilizado a influência do marido, que seria médico e trabalha no hospital”, informou, em nota, o promotor de Justiça Francisco Simeão Júnior, assegurando que a própria engenheira divulgou fotos nas suas redes sociais.
Paraíba
O Ministério Público da Paraíba abriu, ontem, um procedimento preparatório de inquérito após a imprensa noticiar que o secretário adjunto de Saúde do município de Gado Bravo, Diógenis Vasconcelos, teria sido vacinado desrespeitando a ordem de prioridade estabelecida pelos planos nacional e estadual da campanha de vacinação.
O secretário foi notificado a prestar esclarecimentos. Os promotores estaduais também apuram suspeitas de desrespeito aos grupos prioritários nos municípios de Pombal e Belém, onde os prefeitos se vacinaram, e também de Campina Grande.
Pernambuco
Em Recife, o Ministério Público de Pernambuco apura a vacinação de uma arquiteta que trabalha em uma unidade de Saúde dedicada à covid-19 no bairro de Boa Viagem. Já em Jupi, no interior do estado, a Secretária de Saúde e um fotógrafo furaram a fila de prioridade. A prefeitura do município afastou ela do cargo e pediu desculpas “por fatos que porventura venham a se comprovar”. A promotora de Justiça Adna Vasconcelos apura o caso. Há denúncias ainda nos municípios de São José do Egito e Sairé.
Piauí
O Ministério Público do Piauí abriu procedimento investigatório para apurar denúncias de que servidores e autoridades de seis municípios (Guaribas, São João da Fronteira, São José do Divino,Pio IX, Piracuruca e Uruçuí) teriam furado a fila de prioridade na vacinação.
Rio Grande do Norte
Em Natal, o Sindicato dos Servidores Públicos do município denunciou que funcionários da prefeitura estão sendo vacinados sem se enquadrarem nos critérios necessários neste primeiro momento, em que a prioridade são os trabalhadores de saúde na linha de frente de combate à covid-19 e idosos em casas de longa permanência.
A prefeitura da capital potiguar disse que a Ouvidoria-Geral do município “vai apurar as denúncias de servidores municipais que foram vacinados na campanha contra a Covid-19”.
Em nota, o Ministério Público estadual confirmou que recebeu as denúncias e que os casos “serão analisados individualmente para investigar se houve o cometimento de crime ou ato de improbidade”, afirmou o órgão.
Sergipe
O Ministério Público Federal (MPF) de Sergipe abriu uma investigação para apurar se o prefeito de Itabi, Amynthas Barreto Júnior, conhecido como Júnior de Amyntha, cometeu ato de improbidade administrativa ao figurar entre os primeiros vacinados do município. Apenas 31 doses da vacina chegaram à cidade até o momento. Segundo o MPF, é uma quantidade insuficiente para imunizar sequer os trabalhadores da saúde.
Agência Brasil
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