O Projeto de Lei (PL) 399/15, que regulamenta o plantio de maconha, denominada Cannabis sativa, para fins medicinais e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta, foi aprovado hoje (8) na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou o tema.
Houve 17 votos favoráveis e 17 contrários à proposta, aprovada com o voto do relator, Luciano Ducci (PSB-PR), que desempatou o placar. Como a matéria tem caráter conclusivo, ela seguirá para o Senado, caso não haja um recurso de 51 deputados (10%) para que seja votada em plenário.
A proposta altera a Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e que autorizou o plantio de vegetais como a Cannabis para fins científicos ou medicinais, em local e prazo determinados, mediante fiscalização.
Segundo o relator, o projeto apenas regulamenta a legislação vigente e vai ajudar as famílias de pacientes que não responderam bem a outras terapias ou tiveram efeitos colaterais com medicamentos disponíveis no mercado.
Estudos indicam que os derivados da planta podem ser utilizados no tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia. Além disso, há evidências conclusivas da eficácia dos canabinoides contra dores crônicas; no tratamento de câncer, apresentando efeitos antitumoral e também contra enjoos causados pela quimioterapia e no tratamento da espasticidade causada pela esclerose múltipla.
Distúrbios do sono
Os canabinoides também demonstraram evidências moderadas de que são efetivos para o tratamento da fibromialgia; distúrbios do sono, como no tratamento de síndrome da apneia obstrutiva do sono; para aumento do apetite e diminuição da perda de peso em pacientes com HIV; para a melhora nos sintomas de síndrome de Tourette; nos sintomas de ansiedade e para a melhora nos sintomas de transtorno pós-traumático.
A sessão desta terça-feira (8) foi tumultuada. Desde o início, deputados contrários ao projeto tentaram obstruir o funcionamento da comissão. Durante os debates, o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) disse que a proposta iria facilitar o acesso da maconha no país.
“Nós não estamos aqui também de achar que vamos liberar o plantio da maconha e não estaremos liberando de alguma forma o uso indiscriminado das drogas. Quem fiscalizará isso?”, perguntou o deputado.
Parlamentares favoráveis ao projeto defenderam a iniciativa com o argumento de que a proposta vai ajudar famílias que dependem desse tipo de medicação, mas não têm dinheiro para comprar o produto.
“Não é o controle indoor para a produção de Cannabis medicinal que vai aumentar o problema do tráfico de drogas no Brasil que precisa ser enfrentado. Não é essa legislação que vai mudar isso, muito pelo contrário. Estamos aqui com requisitos bem realizados para não permitir que essa produção ultrapasse os limites de entregar um medicamento barato para a população”, rebateu o deputado Alex Manente (Cidadania-SP).
Em seu parecer, Luciano Ducci lembrou que, desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a autorizar a importação de medicamentos à base de Cannabis, em 2015, os pedidos de autorização aumentaram de maneira expressiva.
Segundo ele, em 2015 foram 902 solicitações; em 2019, até outubro, mais de 5,3 mil. No início de 2020, havia cerca de 7,8 mil pacientes cadastrados para importar estas medicações.
“Os produtos importados são, contudo, vendidos a preços proibitivos para a grande maioria da população brasileira. A caixa de Mevatyl® [um dos medicamentos autorizados e registrados na Anvisa] com três frascos de 10 ml [mililitros] custam por volta de R$ 3 mil. Mesmo antes do seu registro, houve casos de pacientes que recorreram à judicialização para obter medicamentos canabinoides pelo Sistema Único de Saúde [SUS]”, ponderou.
Ducci destacou ter consciência de que o tema é “polêmico”, mas disse que o relatório foi baseado em evidências científicas sólidas e que o texto foi construído com a contribuição de familiares de pacientes, cientistas e de profissionais como médicos, farmacêuticos e técnicos em vigilância sanitária, entre outros.
“Esse projeto trata de saúde, de reconhecer as propriedades terapêuticas desta planta, que já foram comprovadas cientificamente e que visa ajudar as pessoas, atuando no tratamento de suas dores, crises convulsivas, efeitos adversos de tumores agressivos e de doenças crônicas ainda incuráveis. O nosso único objetivo é proporcionar bem estar aos brasileiros”, disse.
O deputado classificou como críticas “desprovidas de fundamento”, as afirmações de que o foco do projeto estaria na legalização da maconha. “É importante deixar claro que, com o trabalho que desenvolvemos, não temos a menor intenção de viciar pacientes, nem contribuir para a destruição da família brasileira, muito menos fomentar o tráfico de drogas; prova disso é que vedamos de maneira expressa a fabricação e a comercialização de produtos fumígenos à base de Cannabis”, disse.
Comercialização
O texto apresentado pelo relator prevê que medicamentos canabinoides poderão ser produzidos e comercializados em qualquer forma farmacêutica permitida (sólida, líquida, gasosa e semi-sólida) e sem restrição quanto aos critérios para sua prescrição.
Pela proposta, a prescrição do medicamento será de acordo com a opção do médico e de comum acordo com o paciente, sem a necessidade que sejam esgotadas todas as alternativas terapêuticas para somente então se prescrever os medicamentos canabinoides.
Plantio
O projeto estabelece, ainda, que o cultivo de plantas de Cannabis para fins medicinais será feito exclusivamente por pessoa jurídica, “previamente autorizada pelo poder público”. As sementes ou mudas usadas deverão ter certificação, que só poderá ser feita em local fechado, como uma estufa ou outra estrutura adequada ao plantio de plantas.
Os locais também deverão ser planejados para impedir o acesso de pessoas não autorizadas, bem como garantir a contenção e a não disseminação das plantas no meio ambiente. Esses locais deverão contar com sistema de videomonitoramento, restrição de acesso, sistema de alarme de segurança e cercas elétricas.
O texto estabelece, ainda, que os cultivos terão uma cota pré-definida que deverá constar do requerimento de autorização. Além disso, as plantas de Cannabis destinadas ao uso medicinal serão classificadas como psicoativas (aquelas com teor de THC superior a 1%), e como não psicoativas (aquelas com teor de THC igual ou inferior a 1%). O THC (tetra-hidrocarbinol), composto da família dos fenóis, é o principal componente da planta da maconha.
Os cultivos terão ainda que obedecer a requisitos de controle, tais como: rastreabilidade da produção, desde a aquisição da semente até o processamento final e o seu descarte; plano de segurança para a prevenção de desvios; e presença de um responsável técnico, que se responsabilizará pelo controle dos teores de THC, constantes das plantas.
O projeto também permite que o cultivo de Cannabis e a fabricação de produtos contendo canabinoides possam ser realizados por farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS), que, atualmente, são responsáveis pelo cultivo, coleta, processamento e armazenamento de plantas medicinais, usadas em tratamentos medicinais e fitoterápicos. Segundo Ducci, as farmácias vivas podem ser outra maneira de melhorar o acesso dos pacientes ao medicamento.
Cânhamo
O texto trata ainda do chamado uso industrial da Cannabis, pela comercialização de produtos derivados do cânhamo, uma versão da Cannabis que não tem condições de causar efeitos alucinógenos por causa da baixa concentração de THC encontrada na planta.
De acordo com Ducci, o uso industrial da planta pode resultar na produção “desde a fibra, a celulose e a resina, passando pelos cosméticos, produtos de higiene pessoal, até suplementos e gêneros alimentícios”.
“Entendemos que o cânhamo industrial tem o potencial de abrir um novo segmento comercial no Brasil e se tornar uma nova matriz agrícola, uma vez que ele faz parte de um mercado mundial multibilionário devido a sua versatilidade. Vários países estão em estágio avançado nesse aspecto”, disse.
Agência Brasil
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