Clareza e transparência na comunicação são essenciais; empresas devem se adaptar às condições do candidato
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) representam cerca de 2% da população brasileira – possivelmente até mais, devido à dificuldade de diagnóstico. Como descreve o psiquiatra Fábio Sato, especialista em autismo no Hospital das Clínicas, “o fio condutor de todos os pacientes com TEA é a dificuldade qualitativa na interação social, nas sutilezas da vida social”.
Pode ser sensibilidade a barulho, pouca compreensão de ironia ou mesmo vontade de evitar muito contato. Quando essas pessoas entram no mercado de trabalho enfrentam grandes desafios, principalmente nas relações humanas e de comportamento. Veja abaixo dicas de especialistas de como lidar com as dificuldades.
Como abordar isso na entrevista?
A condição da pessoa com transtorno do espectro autista vem ganhando atenção e mais conscientização nos últimos tempos, mas não é isenta de estigmas e preconceitos. Luciana Morilas, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto que estuda o assunto, diz que “é importante que a pessoa com TEA mencione sua condição na entrevista”. Segunda ela, a clareza e transparência na comunicação são essenciais porque essa condição vai aparecer em algum momento e a relação com a empresa pode ficar prejudicada.
As pessoas com TEA não devem encarar a disputa por vagas com pessimismo e dificuldade, podendo enxergar até uma enorme oportunidade no meio. Isso porque, desde 2012, o espectro autista se encaixa em vagas para deficientes e os portadores de autismo podem usar isso como uma vantagem. Inclusive, segundo a professora comenta, “as empresas precisam cumprir e frequentemente reclamam de não conseguir encontrar profissionais qualificados”.
Se a vaga for de ampla concorrência, Luciana Morilas ressalta que a comunicação franca é a melhor forma de abordar, mas talvez haja uma forma mais apropriada. “Como existe muito preconceito, talvez seja o caso de a pessoa contar mais ao final da entrevista, num momento em que ela já demonstrou suas potencialidades e já convenceu quem a entrevista de que ela é o melhor perfil para a vaga. Mas a transparência é sempre a melhor opção.”
Como a empresa deve encarar a situação?
Já por parte da gestão, também há recomendações sobre como abordar a questão. “A primeira orientação é sempre perguntar à pessoa tanto suas dificuldades quanto suas habilidades. Há pessoas TEA que são extremamente concentradas e isso pode ser um diferencial muito positivo para uma empresa, desde que sejam respeitadas outras necessidades dessa pessoa, como uma forma de redução de barulho, por exemplo”, explica Luciana.
A segunda orientação é adaptar o trabalho, mas “sempre de acordo com o formato como a pessoa demanda, não na forma como nós achamos que seria importante”. Ela comenta que, por vezes, as empresas, no intuito de ajudar, acabam criando “empecilhos e necessidades mirabolantes e caras que não melhoram a situação da pessoa com deficiência e geram custos altos e desnecessários”. Portanto, há situações em que menos é mais e a chave é a mesma que ela mencionou para os TEA: comunicação e transparência.
Nenhum ‘bicho de sete cabeças‘
A conclusão é que a relação não deve ser vista como um grande empecilho, mas como uma relação empregador-empregado que, por vezes, exige algumas particularidades. No fim, “a comunicação é sempre o melhor caminho. A pessoa com TEA precisa comunicar ao empregador suas necessidades de forma transparente e direta. Quais os principais problemas que ela tem? Sensibilidade a barulhos, por exemplo? Comunicar que ela precisa de um ambiente tranquilo é a primeira providência”, exemplifica a especialista.
“Para as empresas é a mesma coisa: comunicar com o trabalhador todas as tarefas que precisam ser realizadas e como. É comum que pessoas com transtorno do espectro autista sejam literais. Então, esperar que elas interpolem as necessidades do seu trabalho não vai funcionar. Raramente elas entendem ironia, um jeito de falar muito comum ao brasileiro. A ideia é ser muito direto, objetivo e transparente na comunicação. O custo é zero e melhora muito as relações”, complementa.
Outras dicas
Fábio Sato, psiquiatra especializado em transtorno do espectro autista, reforça que as pessoas TEA devem seguir com seus objetivos normalmente. Caso haja dificuldades, indica um site americano chamado Autism Speaks, que dá algumas dicas de como elaborar o currículo, de como se comportar na entrevista e como procurar emprego.
No Brasil, existe uma empresa chamada Specialisterne que faz essa mediação entre a empresa empregadora e a pessoa TEA que quer trabalhar. Há também faculdades inclusivas que são melhor adaptadas para receber essas pessoas, como o Senac. “Acho que tudo isso ajuda e que a busca é contínua”, diz Sato.
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