Regra brasileira permite que o produto tenha até 1% materiais naturais da própria lavoura, como galhos, folhas e cascas do fruto, e matérias ‘estranhas’, por exemplo, grãos ou sementes de outros vegetais
Você sabia que o pó de café no supermercado não tem apenas grãos do fruto? Isso porque a legislação brasileira permite que o produto possua até 1% de impurezas naturais do café (como galhos, folhas e cascas) e matérias estranhas (por exemplo, grãos ou sementes de outras espécies vegetais, pedras e areia).
Quando o alimento comercializado apresenta uma porcentagem maior desses elementos, ele é considerado fraudado.
Foi o que aconteceu na operação do Departamento de Inspeção do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em março. As marcas em cujos lotes foram identificadas fraudes foram divulgadas no dia 28 de junho.
Segundo o governo, os produtos foram desclassificados após o Ministério detectar a presença de matérias e elementos estranhos e impurezas acima dos limites permitidos pela legislação vigente, a Portaria nº 570. Confira abaixo as definições pela lei.
Além de café: veja o que pode estar no pacote do produto — Foto: Bruna Rocha / arte g1
Enquanto as impurezas podem estar no café de forma acidental, os elementos estranhos são adicionados intencionalmente para falsificação, afirma o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Ministério da Agricultura, Hugo Caruso.
Como é a análise
Atualmente, a detecção de impurezas e matérias estranhas no café comercializado é feita por meio de análises com microscópio. Contudo, Caruso aponta que esse processo precisa de melhorias para ser mais assertivo. “Pode ter uma diferença grande quando a gente pega 1% de impureza, pode ser na realidade que tenha 2% ou até 3%”, diz.
Ele afirma que, apesar de considerar a metodologia boa, ela depende de qual é a matéria adicionada ao café e quais foram os pontos de torra e da moagem, que podem mascarar as irregularidades se forem mais intensos.
Na regra, o café pode ter até 360 defeitos em 300g. Contudo, cada irregularidade tem um peso diferente. Confira na tabela abaixo.
Café pode ter até 360 defeitos em 300g — Foto: Wagner Magalhaes / Arte g1
Essa metodologia de medição foi desenvolvida há 100 anos, para a comercialização do fruto na bolsa de Nova York (EUA).
“O que a gente já percebeu em algumas torrefadoras que nós fomos é que as empresas estavam torrando café com 1.000 defeitos, 1.200 defeitos”, diz o diretor do Dipov, Hugo Caruso.
Impurezas camufladas
Existem equipamentos no beneficiamento de café que já permitem a separação de impurezas do grão bom. É assim que o tipo especial consegue ser 100% sem defeitos.
Nesses filtros, são separados o café ardido (que está passado) e o preto (que já apodreceu).
Na legislação brasileira, não é permitido um número muito grande destes grãos. Em uma amostra de 300g, podem ser encontrados apenas 50 grãos desse tipo. Contudo, quando eles são bem torrados e moídos, são difíceis de serem identificados, uma vez que ainda se trata de café.
O que acontece é que existem torrefadoras que vendem o fruto bom para a indústria e resolvem aproveitar os impróprios para produzir o pó.
“O que [os fraudadores] fazem é acabar torrando, aí geralmente é bem forte, extraforte, para tentar mascarar esse gosto ruim. O ardido e o preto, eles podem ter uma contaminação de fungos que pode trazer alguns problemas de saúde”, explica Caruso.
Por esta razão, a Portaria nº 570 estabelece que, a partir deste mês, a embalagem dos alimentos deve informar o grau da torra.
“Para que o consumidor comece a perceber que o café, quando é muito escuro, muitas vezes é utilizado como forma de esconder os defeitos”, explica o diretor do Dipov.
“Quando você torra muito escuro, [o café] vira um carvão, então tanto faz se é uma casca ou se é um café ou se é um milho, fica tudo igual”, completa.
Existem três tipos de torra:
clara, que entrega uma bebida com acidez, doçura e menos amargor;
média, se trata de um café com mais equilíbrio, com notas mais caramelizadas, mas sem tanto amargor ou acidez;
escura tem mais amargor, menos doçura e menos acidez.
“Geralmente, um torrefador que tem um café de alta qualidade, ele não vai torrar ele que nem um carvão, porque ele vai perder o sabor, vai perder a qualidade. Se ele pagou caro naquele grão, ele vai procurar uma torra mais clara ou média, para poder realçar o seu sabor”, diz.
Pensando nisso, Caruso pensa que a próxima etapa de identificação de fraudes é acrescentar a análise sensorial ao café, que pelo sabor permite que a fiscalização perceba se há algo de errado no produto. Essa metodologia seria acompanhada de uma análise química, que permitiria identificar toda a composição do pó.
Este processo já é aplicado para identificar fraude em outros produtos, como o azeite.
Fonte: g1
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