Pesquisa em Botucatu usa videocirurgia para castração de mulas

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Pesquisa em Botucatu usa videocirurgia para castração de mulas 31 julho 2017

 

Por serem animais fortes e resistentes, as mulas são muito utilizadas na lida diária de algumas propriedades rurais. A passada suave e segura também faz com que o animal também seja requisitado para cavalgadas e passeios. São animais híbridos, resultantes do cruzamento entre jumentos (Equus africanus asinus) e éguas (Equus caballus), os muares, com raríssimas exceções, não se reproduzem. Contudo, as mulas podem manifestar regularmente sinais de cio, dentre eles, alterações significativas de comportamento que podem complicar a vida de seus proprietários.

São frequentes os relatos de problemas causados por essas alterações comportamentais, especialmente quando as mulas dividem o ambiente com burros ou garanhões equinos e asininos. Fugir dos piquetes, empacar ou não aceitar sela são alguns dos comportamentos que dificultam ou inviabilizam o uso das mulas para trabalho ou lazer durante o período de cio.

Proprietários incomodados com a frequência dessas ocorrências costumam procurar o serviço de médicos veterinários para a realização da cirurgia de ovariectomia, a remoção dos ovários. Em tese, o procedimento suprime o cio e comportamento dele resultante, favorecendo o convívio em grupo e melhorando o desempenho do animal. O procedimento, que exige uma laparotomia (abertura da cavidade abdominal), é bastante invasivo e deixa algumas marcas físicas que podem ser indesejáveis em animais de valor elevado.

Uma pesquisa desenvolvida junto ao programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, câmpus de Botucatu, como tese de doutorado de Fabio Henrique Bezerra Ximenes, sob orientação do professor Celso Antonio Rodrigues, estudou a viabilidade e a eficiência da utilização da videocirurgia para a realização da ovariectomia em mulas. “É uma técnica que está à disposição, mas é pouco utilizado na medicina veterinária, pelo alto valor dos equipamentos ou pela falta de treinamento e capacitação dos profissionais”, explica Ximenes.

O trabalho foi pioneiro no estudo sobre o tema, como relata seu autor. “Não sabíamos nada sobre a anatomia desses animais, não havia nada descrito e queríamos saber se nós tínhamos instrumentais para realizar esse procedimento ou se seriam necessárias adaptações. Uma vez realizada a ovariectomia, precisávamos saber se a cirurgia iria realmente suprimir o comportamento indesejado dos animais”.

A pesquisa, que utilizou dez animais, não se restringiu ao ato cirúrgico em si. Foi preciso observar e identificar os comportamentos reprodutivos que as mulas apresentavam. Segundo Ximenes, não havia descrições com esse enfoque na literatura científica. “Algumas perguntas começaram a surgir. As mulas têm cio, mas elas ovulam? O ciclo delas é parecido com o da égua ou com a da jumenta? Precisamos estudar toda a dinâmica folicular desses animais para só então partir para as cirurgias”. A realização das cirurgias em si, foi um grande aprendizado para a equipe envolvida no projeto. O primeiro procedimento teve seis horas de duração. O décimo foi realizado em uma hora e meia.

Os pesquisadores esperaram 30 dias para a recuperação de cada animal, antes de iniciar os estudos de avaliação dos comportamentos pós-ovariectomia. As primeiras avaliações indicam que nenhum animal apresentou os indesejáveis distúrbios de comportamento. Após a conclusão do estudo, a intenção do grupo de pesquisa é publicar os dados em boas revistas para divulgar a técnica.

Um aspecto importante do trabalho foram as parcerias e colaborações com pesquisadores da própria FMVZ e de outras instituições. “Tivemos apoio do professor Carlos Hussni que cedeu equipamento para as videocirurgias. A avaliação utrassonográfica dos animais durante todo o período de estudo, foi feita com equipamentos cedidos pela professora Ana Liz Garcia Alves, que também cedeu o freezer para armazenar as amostras. Utilizamos toda a estrutura da área de medicina esportiva, sob a responsabilidade do professor Marcos Jun Watanabe. Durante as cirurgias, foram realizados testes com um bisturi ultrassônico em desenvolvimento pela equipe do professor Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física da USP em São Carlos”.

Ximenes também distribuiu materiais para pesquisa para outras áreas da FMVZ, como gordura para isolamento de células- tronco, ovários para pesquisas em ressonância magnética e fluido folicular para pesquisas em reprodução. “Experimentos com animais de grande porte são trabalhosos. Dessa forma, procuramos otimizar a obtenção de resultados a partir daí. Tudo precisa ser bem planejado para que não haja desperdício dos materiais colhidos dos animais”, explica o professor Celso Rodrigues. “Muitas frentes de pesquisa se abrem a partir deste trabalho. É difícil iniciar, pela própria falta de informações sobre animais híbridos como a mula. Mas, uma vez iniciado, o estudo gera muita curiosidade”, comenta Ximenes, que é docente da Universidade de Brasília (UnB), ressaltando que quer continuar a trabalhar com o tema ao longo da sua carreira.

Ximenes também ressaltou o auxílio da Fapesp como fundamental para o desenvolvimento da pesquisa e envolveu, além das bolsas, a aquisição de um equipamento de videocirurgia de última geração. O apoio à pesquisa se justifica pelos inegáveis benefícios que traz ao produtor rural e aos proprietários de mulas, de maneira geral. “Da forma como delineamos esse trabalho, usando um equipamento portátil, torna-se possível fazer o procedimento na própria propriedade, a campo. Se houver uma estrutura mínima necessária, o animal não precisa ser retirado da propriedade para ir até um hospital veterinário, o que ajuda na recuperação. Queremos ser facilitadores. Nossa intenção é validar um procedimento e facilitar sua utilização”, explica Ximenes. “A Fapesp acreditou nesse enfoque e disponibilizou os recursos para sua realização, inclusive a importação de equipamento”, complementa o professor Celso Rodrigues.

O orientador do trabalho lembra que as mulas apresentam uma importância cultural e econômica no Brasil. “O país possui o terceiro maior rebanho de muares do mundo. São animais que trabalham no campo e também participam de provas de marcha. Alguns animais podem ter alto valor financeiro. Apesar disso, do ponto de vista das pesquisas, são animais relegados a um segundo plano. Acreditamos que a universidade não pode se furtar às demandas da sociedade. Por isso, esses estudos procuram resolver problemas enfrentados no cotidiano do produtor rural e de quem trabalha no manejo dos muares”.

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