Pesquisa em Botucatu: novo tratamento com células-tronco é promessa para reabilitação de lesões nervosas

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Pesquisa em Botucatu: novo tratamento com células-tronco é promessa para reabilitação de lesões nervosas 16 julho 2021
Cells on scientific background

Atualmente, tanto a medicina quanto a veterinária dispõem de ferramentas limitadas para tratar de lesões em certas partes do sistema nervoso periférico, mesmo as que se mostram mais comuns. Uma lesão no nervo isquiático de cachorros, por exemplo, um problema comum nos consultórios veterinários e que pode afetar a capacidade de deslocamento, dificilmente apresentará recuperação sem a realização de algumas intervenções cirúrgicas. Porém, um nova pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Unesp, no câmpus de Botucatu, pode abrir caminho para uma nova forma de tratamento em cães. E eventualmente, o procedimento poderia vir a ser aprimorado para beneficiar também humanos.

A nova técnica emprega um tubo minúsculo para conectar as pontas dos nervos rompidos. O tubo provê um ambiente favorável para a reprodução das células e para a regeneração do tecido nervoso lesionado. Para facilitar a regeneração do tecido, o trabalho faz uso de uma estrutura que vem ganhando bastante atenção nos últimos anos na área de bioengenharia: os “scaffolds”.

Essas microestruturas tubulares costumam ser feitas à base de algum biopolímero e servem de suporte para a proliferação das células. O diferencial da estrutura desenvolvida pelos pesquisadores da Unesp foi o preenchimento deste tubo com células-tronco mensenquimais caninas embebidas em selante de fibrina, uma espécie de cola biológica desenvolvida por pesquisadores do Cevap (Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos). A mistura foi capaz de criar um ambiente favorável à reprodução das células e à regeneração do tecido nervoso.

“Para que o nervo cresça, é muito importante que haja uma ponte por onde ele vai se orientar. Dentro desse conduto colocamos células-tronco caninas que, além de estimular a regeneração, têm baixa capacidade imunogênica, evitando a rejeição”, explica o professor Rogério Martins Amorim, que orientou a tese de doutorado de Diego Noé Rodriguez Sanchez. O trabalho foi indicado ao prêmio Capes de melhor tese.

O tubo, que no trabalho recebe o nome de conduto de orientação nervosa (NGC) é feito de um biopolímero chamado policaprolactona, e tem em sua parede pequenos poros que impedem a passagem das células, mas não de suas secreções (VEJA ABAIXO). “Houve uma associação de técnicas entre a estrutura do scaffold, as células tronco caninas e o selante de fibrina. Nós queríamos manter essas células dentro do tubo a maior parte do tempo, por isso acrescentamos o selante de fibrina, que além de ter algumas propriedades regenerativas, também funciona como uma cola”, explica Rogério.

Alternativa ao autoenxerto

Atualmente, a principal solução para este tipo de lesão na medicina veterinária ou humana é o autoenxerto, em que se retira um pedaço do nervo de algum outro membro para substituição do nervo rompido. Uma desvantagem desse tipo de estratégia é que ela acaba prejudicando um membro saudável para a recuperação de um membro lesionado, o que pode causar outros problemas motores no animal. A nova abordagem também reduziria o tempo gasto com cirurgias, uma vez que apenas uma intervenção é necessária.

“Outro problema é que nem sempre o diâmetro do nervo retirado e o do nervo lesionado são iguais”, acrescenta Rogério. Neste sentido, por ser confeccionado em uma impressora 3D, a peça pode ser fabricada de forma personalizada, atendendo a demanda específica da lesão do paciente. Para a elaboração e impressão do tubo, os pesquisadores tiveram o apoio do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, localizado em Campinas, que tem parte de suas atividades voltadas à aplicação de tecnologias tridimensionais e prototipagem à saúde.

Para o professor, a combinação de duas tecnologias relativamente recentes na ciência, a terapia celular e a bioengenharia, tem apresentado perspectivas positivas para a substituição do autoenxerto. A pesquisa desenvolvida por Diego reúne conhecimentos dessas duas áreas

A pesquisa

Não à toa, o trabalho de doutorado foi publicado na revista científica Stem Cell Research & Therapy, uma das mais conceituadas na área. No artigo, Diego compara os resultados de diferentes técnicas para regeneração do nervo, entre elas o autoenxerto e o conduto de orientação nervosa (NGC) associado a células-tronco caninas e selante de fibrina. Para isso, ratos foram submetidos a lesão crítica de 12 milímetros do nervo isquiático e tratados com essas técnicas.

Os resultados publicados no artigo apontam que, quando avaliada a marcha, o autoenxerto obteve 50% de recuperação, enquanto a combinação do tubo com células-tronco e selante de fibrina alcançou 35%. Na avaliação da velocidade de condução nervosa, o autoenxerto apresentou 75% de eficiência contra 63% do tubo. Por fim, ao analisarem a regeneração dos axônios do nervo, por onde se transmite impulso nervoso, o resultado foi de 90% de recuperação no auto enxerto, contra 50% do modelo experimental desenvolvido pelo aluno de doutorado.

Embora o desempenho do autoenxerto, tido como o padrão ouro na regeneração nervosa tenha se mostrado superior à estratégia adotada pelos pesquisadores da Unesp, o resultado foi considerado animador.

Quanto aos resultados do artigo, Diego acredita que o modelo ainda tem margem para melhorar em diversos pontos. “Ao invés de usar uma estratégia híbrida de imprimir o scaffold e torná-lo funcional com as células-tronco, o ideal seria fazer uso da bioimpressão. Nessa técnica, pode-se imprimir este tubo com as células ou qualquer outra molécula dentro da sua estrutura. Já existem impressoras 3D que fazem isso”, afirma Diego.

O pesquisador explica que o modelo experimental desenvolvido em seu doutorado pode contemplar células humanas ao invés de caninas. “Embora eu seja veterinário, nessa pesquisa nós visualizamos bastante a parte de medicina humana, já que o animal tem menos traumas de nervos periféricos. Em geral ele é mais submetido à reabilitação e nem tanto à cirurgia”, afirma. “No caso humano, a cirurgia para o reparo dos nervos é mais comum, o que permitiria à pesquisa alcançar mais pessoas”.

Texto: Marcos do Amaral Jorge/Jornal da Unesp

Crédito da imagem acima: Mohammed Haneefa Nizamudeen

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