
Pesquisadores da Unesp alertam que o Brasil pode chegar à COP30 longe da meta de redução firmada em Glasgow

Faltando menos de um mês para a COP30 — a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas — novos estudos reacenderam o alerta sobre o papel da pecuária brasileira nas emissões de gases de efeito estufa. Segundo levantamento divulgado pelo Observatório do Clima, o país registrou em 2023 um recorde nas emissões de gás metano, alcançando 20,8 milhões de toneladas, aumento de cerca de 6% em relação a 2020.
A maior parte desse volume vem do setor agropecuário, especialmente da chamada fermentação entérica — o popular “arroto do boi” — responsável por 75% do metano liberado no país. O problema é que o Brasil havia se comprometido, durante a COP26 em Glasgow (2021), a reduzir em 30% as emissões até 2030.
O gás metano tem um potencial de aquecimento 28 vezes maior que o dióxido de carbono (CO₂) e uma permanência na atmosfera que pode durar até 20 anos, o que o torna um dos grandes vilões do aquecimento global.
Pastagem de qualidade é parte da solução
De acordo com o professor Ricardo Reis, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, em Jaboticabal, o caminho para reduzir as emissões passa por melhorar a produtividade e o manejo das pastagens.
“O grande problema é que boa parte dos pecuaristas ainda não entende a pastagem como uma cultura”, afirma Reis ao Jornal da Unesp. Segundo ele, o capim que alimenta o gado exige o mesmo cuidado técnico que a soja ou o milho. Quando o pasto é bem manejado, o animal consome capim de melhor qualidade, emite menos metano e o solo ainda captura carbono, equilibrando o impacto ambiental.
Pesquisas da Unesp indicam que a altura ideal do capim deve girar em torno de 25 cm, garantindo melhor fotossíntese e maior concentração de açúcares solúveis nas folhas. Isso melhora a digestão do animal e reduz a produção de metano.
Outra alternativa é o uso de suplementos alimentares sustentáveis, produzidos com resíduos agrícolas como milho, soja ou amendoim, que aumentam o ganho de peso e reduzem a pegada de carbono.
Sistemas integrados e produção sustentável

O pesquisador também destaca os sistemas integrados de produção, que reúnem em um mesmo espaço gado, lavoura e até florestas. Além de capturar carbono no solo, o modelo diversifica a renda do produtor e melhora o conforto térmico dos animais. “O Brasil é líder mundial na adoção desses sistemas”, reforça Reis.
Cálculo do rebanho brasileiro é contestado
Enquanto isso, outro estudo, conduzido pelo engenheiro agrônomo Abmael Cardoso, também egresso da Unesp, questiona a metodologia usada pelo IBGE para estimar o tamanho do rebanho bovino nacional, hoje calculado em 238 milhões de cabeças.
Cardoso explica que os critérios do INCRA, baseados na taxa de lotação (número de animais por área), incentivam produtores a declararem mais gado do que realmente possuem, com medo de terem suas propriedades classificadas como improdutivas. Isso inflaria os números oficiais e, consequentemente, superestimaria as emissões de metano do país.
Em 2017, por exemplo, o Censo Agropecuário apontava 172,7 milhões de cabeças, enquanto a Pesquisa Pecuária Municipal do mesmo ano indicava 214,9 milhões — uma diferença de mais de 40 milhões de animais.
Para Cardoso, o rebanho real em 2024 estaria em torno de 196 milhões de cabeças, número 8,8% menor que o do IBGE. Essa metodologia é a mesma utilizada por entidades como a ABIEC e a ApexBrasil.
Menos gado, mais produtividade
Apesar da divergência nos números, o pesquisador concorda que aumentar a produtividade é essencial para reduzir o metano. Segundo ele, o Brasil vem avançando no manejo e nas políticas públicas voltadas para a qualidade das pastagens, mas precisa ir além:
“É preciso focar na produtividade na fase de cria, entre o nascimento e o desmame do bezerro. Isso muda a composição do rebanho, resultando em menos animais e menor emissão de metano”, conclui Cardoso.
Com a COP30 se aproximando, o desafio é conciliar os compromissos internacionais com a realidade do campo — e ajustar as métricas que medem o impacto ambiental da pecuária brasileira.
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