Lei de Feminicídio completa 10 anos: ‘O que não se mede, não se muda’, diz especialista

Geral
Lei de Feminicídio completa 10 anos: ‘O que não se mede, não se muda’, diz especialista 09 março 2025

Em 2024, no estado, foram 253 casos de feminicídio, enquanto no interior foram 160. A vítima mais jovem tinha cinco anos e foi morta ao lado da mãe pelo próprio pai em Boituva (SP). Já a mais velha tinha 76 anos quando foi morta pelo filho em São Manuel (SP).

Uma década após a criação da Lei do Feminicídio, o cenário da violência contra mulheres no Brasil segue alarmante. Em 2024, São Paulo atingiu um recorde histórico no número de feminicídios, com mais da metade dos casos registrados no interior do estado.

Sonhos interrompidos e uma vida inteira roubada, como no caso de Sophia Lara Queiroz, morta aos cinco anos ao lado da mãe, Daniele da Silva de Lara Queiroz, de 36 anos. As duas foram vítimas de feminicídio em novembro de 2024, em Boituva (SP), e o suspeito do crime é o próprio pai da criança.

Já a dona Nair Aparecida Acca de Oliveira, de 76 anos, foi morta a facadas em outubro de 2024, em São Manuel (SP), após não resistir aos ferimentos causados pelo próprio filho, de 52 anos, com quem a idosa morava. A motivação para o crime teria sido a partir de uma discussão.

No Estado de São Paulo, 2024 registrou um recorde de casos de feminicídio, conforme levantamento feito pelo g1. Ao longo do ano, 253 mulheres foram assassinadas, e 63% desses crimes ocorreram no interior do estado, totalizando 160 casos.

Em 2025, a Lei do Feminicídio completa 10 anos desde sua sanção, em 9 de março de 2015 (Lei 13.104/15), quando o assassinato de mulheres motivado por questões de gênero passou a ser tipificado como crime hediondo.

‘O que não se mede, não se muda’

Doutora em Direito Penal e especialista em violência de gênero, Alice Bianchini destaca a importância da Lei do Feminicídio, que reconhece e tipifica esse tipo de crime, tornando-o mais visível e passível de punições mais severas. “O que não se mede, não se muda. É por conta disso que é necessário nomear o fenômeno da violência contra a mulher. Ele tem características específicas: não se trata de um crime praticado na rua por um desconhecido”.

“Ao contrário, o lar não é um lugar seguro para a mulher brasileira e quem está matando nossas mulheres são os homens próximos a elas e com quem, na maioria das vezes, possui filhos em comum”, afirma.

Alice Bianchini, que também integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e é professora de Direito na Universidade de São Paulo (USP), alerta para a principal motivação dos feminicídios: na maioria dos casos, os crimes são cometidos por companheiros ou ex-companheiros das vítimas, movidos pelo sentimento de posse ou pela não aceitação do fim do relacionamento.

Monitor da violência - feminicídio — Foto: Editoria de Arte/G1

“O que temos é: posse e controle de homens sobre mulheres. Ainda se lê em processos criminais de feminicídio a alegação do réu no sentido de que “se não vai ser minha, não vai ser de mais ninguém”.

Segundo a doutora, o feminicídio no Brasil deu um passo importante ao ser reconhecido como um crime autônomo com a aprovação da Lei 14.994/24, conhecida como “Pacote Antifeminicídio”. A nova legislação busca fortalecer a punição e a prevenção desse tipo de violência, ampliando a proteção às vítima.

Desde então, a pena foi aumentada no artigo 121-A para 20 a 40 anos, chegando a maior punição prevista no Código Penal Brasileiro, que considera até 40 anos o máximo para cumprimento de pena.

Com a criação da Lei de Feminicídio em 2015, a pena era de 12 a 30 anos de reclusão e o autor do crime já recebia pena aumentada de um terço até a metade se o crime praticado for:

  • Durante a gestação, nos três meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;
  • Contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos, ou com algum tipo de deficiência;
  • Na presença física ou virtual de descendente, ou de ascendente da vítima;
  • Em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.

Enquanto para homicídio simples, o Código Penal prevê pena de seis a 20 anos; homicídio qualificado e homicídio contra menor de 14 anos, de 12 a 30 anos, conforme o Jusbrasil.

A diferença entre homicídio e feminicídio está na motivação do crime. Enquanto o homicídio abrange diversas circunstâncias, como acidentes, crimes motivados por recompensa, vantagens ou outros fatores, o feminicídio é caracterizado pelo assassinato de uma mulher em razão de seu gênero, geralmente associado à violência doméstica, discriminação ou menosprezo à condição feminina.

Aumento no número de feminicídios

O número de mulheres assassinadas no interior de São Paulo em 2024 também representa mais que o dobro do registrado em 2018 — ano em que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) passou a divulgar separadamente os casos de feminicídio e homicídio. Foram 160 vítimas em 2024, comparadas a 78 em 2018. Confira a evolução dos registros ao longo dos anos:

A quantidade registrada de mulheres assassinadas no interior de SP em 2024, chega a ser, também, mais que o dobro do valor em 2018 — Foto: Matheus Arruda/ arte g1

Dos crimes mais brutais registrados em 2024, Milena Dantas Bereta Nistarda, de 53 anos, foi morta a facadas e teve o coração e as vísceras arrancados em Tupã (SP), em fevereiro de 2024. Ela tinha pedido medida protetiva contra o marido horas antes do crime.

Em Boituva (SP), no mesmo mês, Kelli Vanessa Spizzica, de 28 anos, foi morta a pauladas. Ela chegou a ser encontrada com vida pela irmã e cunhado, mas estava com diversos ferimentos na cabeça, sem os dentes e não resistiu aos ferimentos.

No início de 2024, em janeiro, uma jovem de apenas 18 anos foi morta a facadas pelo companheiro, de 32 anos, em Mairinque (SP). O corpo foi encontrado pelo pai da vítima.

Já em São José do Rio Preto (SP), Edilaine de Souza Silva, de 36 anos, morreu após golpes de tijolo. A perícia constatou que a vítima tinha marcas de perfurações e diversos ferimentos no rosto. Ela foi encontrada com sinais de estrangulamento e enrolada em um cobertor, em setembro do ano passado.

Aproximadamente 50 mulheres foram vítimas de feminicídio na área de cobertura da TV TEM em 2024. Região de Sorocaba registrou mais mortes — Foto: Reprodução/g1

Todas as vítimas mencionadas nesta reportagem foram assassinadas por seus companheiros ou ex-companheiros, que não aceitaram o fim do relacionamento. Os crimes foram cometidos, na maioria das vezes, com objetos comuns do ambiente doméstico, como facas, ou por meio de agressões físicas.

Espiral da violência

Alice Bianchini, especialista em violência de gênero, declara a importância de se falar dos outros tipos de violência, uma vez que o feminicídio decorre de uma escalada da violência. “É frequente que a violência comece com a psicológica, que passou a ser a mais relatada em pesquisas com vítima (conforme dados do Ministério da Mulher)”.

“Fala-se da espiral da violência em que a violência seguinte é mais grave que a anterior. Ademais, a cada dia que passa vai encurtando o intervalo entre uma violência e outra, passando, no geral das vezes, a ser diária, tornando o autor um sério candidato a praticar o feminicídio”, reforça.

Tipos de Violência Doméstica Mob — Foto: Luisa Rivas | Arte g1

Em alguns dos casos fatais, a vítima tinha medida protetiva contra o agressor, que se tornou o autor do feminicídio, posteriormente. Alice Bianchini afirma que o documento é de relevância.

“Ao destacar, dentre outras coisas, as três formas de prevenção a crimes: primária, secundária e terciária. A medida protetiva se insere na segunda etapa da prevenção. É muito importante que, tenha a violência acontecido, busquem-se imediatamente meios de fazê-la cessar”.

A doutora descreve que é urgente investir na rapidez da decretação da medida protetiva: “Pois, infelizmente, ainda há Tribunais Estaduais que, na média, uma medida protetiva leva mais de 15 dias para ser concedida, lembrando que a Lei Maria da Penha estabelece o prazo máximo de 48h”.

“As medidas protetivas de urgência têm salvado vítimas, ainda que não seja suficiente para evitar a reincidência criminosa”, completa.

Fonte: g1

Compartilhe esta notícia
Oferecimento
BERIMBAU INST MOBILE
Oferecimento