Fragmentação e fogo: as duas grandes ameaças à Mata Atlântica, segundo estudo de 35 anos

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Fragmentação e fogo: as duas grandes ameaças à Mata Atlântica, segundo estudo de 35 anos 18 maio 2025

Pesquisa da Unesp mostra que formações em recuperação queimam bem mais e alerta para queimadas intencionais que degradam o bioma

Foto Acontece Botucatu – Arquivo

Em Botucatu a Mata Atlântica ainda está presente em várias áreas. Esses fragmentos, apesar de pequenos, desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade local. No entanto, a fragmentação dessas áreas as torna mais suscetíveis a incêndios, agravando a degradação do bioma.

Um estudo recente, publicado no Jornal da Unesp, analisou 35 anos de dados e revelou que as formações jovens da Mata Atlântica são significativamente mais vulneráveis a incêndios do que as florestas maduras. A pesquisa destaca que áreas em processo de regeneração, conhecidas como florestas secundárias, apresentam uma probabilidade 61% maior de sofrerem queimadas, especialmente devido à fragmentação e à interferência humana.

O estudo também aponta que algumas queimadas são provocadas intencionalmente para impedir que as florestas atinjam estágios mais avançados de regeneração, o que exigiria processos de licenciamento ambiental para desmatamento. Essa prática visa contornar a legislação ambiental, degradando a vegetação de forma contínua.

Por outro lado, as florestas maduras, com mais de 35 anos, demonstram maior resistência ao fogo, queimando 57% menos do que o esperado. Isso se deve à sua estrutura mais desenvolvida, capaz de reter umidade e resistir melhor às chamas.

Foto Acontece Botucatu – Arquivo

No último sábado três pessoas foram detidas após um incêndio em uma área de pastagem próximo a uma das principais reservas naturais de Botucatu, o Parque Municipal da Marta, que só não foi atingido pelas chamas, porque o vento levou o fogo para o lado oposto da reserva.

Em 2024, Botucatu enfrentou um incêndio de grandes proporções que destruiu mais de 1.000 hectares de vegetação na zona de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. Pesquisadores da Unesp lideram atualmente um projeto de restauração dessas áreas, visando recuperar a biodiversidade e prevenir futuros desastres ambientais.

Foto Acontece Botucatu – Arquivo

O estudo

A Mata Atlântica é o bioma mais degradado do Brasil, com apenas cerca de 30% da sua área original preservada. Embora sua exploração comece no Brasil Colônia, a destruição acelerou bastante nos últimos 40 anos. Dados do MapBiomas mostram que, entre 1985 e 2023, foram perdidos 3,7 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a cerca de 10% do território original do bioma.

Essa devastação resultou em uma paisagem extremamente fragmentada: hoje, aproximadamente 97% dos remanescentes florestais têm menos de 50 hectares — uma verdadeira coleção de “ilhas” de floresta, onde a extensão média equivale a apenas 70 campos de futebol. Essa fragmentação não só ameaça a biodiversidade, mas também torna a Mata Atlântica mais suscetível a incêndios.

Diferentemente de outros biomas brasileiros como Cerrado, Pantanal e Caatinga, que têm plantas adaptadas ao fogo, a Mata Atlântica é um ecossistema úmido e sensível, onde o fogo pode causar grandes estragos. “O fogo pode tanto causar a fragmentação quanto se beneficiar dela, pois trechos menores e isolados são mais vulneráveis a incêndios”, explica Bruno Adorno, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos.

Adorno defendeu recentemente sua tese de doutorado, com orientação de professores da Ufscar e da Unesp, que investigou o impacto do fogo na Mata Atlântica. O estudo, publicado no Journal of Environmental Management, reuniu dados e imagens de satélite ao longo de 35 anos para analisar mais de 40 mil focos de incêndio na região.

Florestas secundárias: as que mais sofrem com o fogo

A pesquisa destacou que as florestas secundárias — aquelas em estágio de regeneração após desmatamento — são muito mais vulneráveis ao fogo. Essas áreas, com idades entre 1 e 35 anos, têm 61% mais chances de sofrer queimadas do que o esperado, considerando sua extensão proporcional no bioma.

Isso ocorre porque, por serem jovens, essas florestas têm copas abertas, produzem menos folhas e galhos para manter a umidade, além de madeira fina e seca que facilita a propagação do fogo. Além disso, fatores humanos agravam o problema: incêndios são muitas vezes provocados intencionalmente para impedir que essas florestas amadureçam, já que isso exigiria licenciamento ambiental para desmatamento.

“O fogo é ateado repetidamente nas bordas dessas florestas, degradando-as aos poucos. Com o tempo, essas áreas perdem o status de mata protegida e ficam vulneráveis à exploração”, diz Milton C. Ribeiro, professor da Unesp de Rio Claro.

Florestas maduras são mais resistentes

Por outro lado, as florestas com mais de 35 anos, consideradas maduras, queimam 57% menos do que o esperado. Essas florestas têm uma estrutura mais desenvolvida, com maior umidade interna, cobertura arbórea densa e sub-bosque estruturado, que dificultam a propagação do fogo.

Curiosamente, os dados também mostraram que, ao longo dos anos, algumas florestas secundárias amadureceram e reduziram sua vulnerabilidade a incêndios, principalmente a partir de 2012, quando atingiram estágios mais avançados de regeneração.

Impacto da paisagem e políticas necessárias

O estudo ainda analisou o impacto do fogo nas diferentes coberturas de solo na Mata Atlântica, incluindo áreas agrícolas, pastagens e florestas plantadas. Surpreendentemente, as pastagens não se mostraram tão vulneráveis quanto se pensava, já que ocupam grande parte do território, o que influencia a frequência dos incêndios, mas não necessariamente sua vulnerabilidade.

Para Adorno, os resultados são essenciais para direcionar políticas públicas mais eficazes. “Focar a prevenção e o combate ao fogo em florestas jovens faz mais sentido do que investir em áreas maduras, que já têm resistência natural”, afirma.

Entre as propostas, estão o manejo de paisagens agrícolas para criar barreiras naturais contra o fogo, remoção de espécies invasoras que intensificam incêndios e incentivo econômico para que proprietários protejam florestas secundárias, por exemplo, com produção de mel, frutas e madeira.

No entanto, ainda faltam políticas específicas para essas florestas vulneráveis. Ribeiro destaca que o Brasil está atrasado tanto na pesquisa científica quanto nas políticas públicas para manejo e combate ao fogo em biomas florestais tropicais. “É urgente investir em pesquisa regionalizada para conhecer melhor esses ecossistemas e, a partir daí, criar estratégias eficazes de conservação”, completa.

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