Europa vai barrar uso de gaiolas em criação de animais até 2027

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Europa vai barrar uso de gaiolas em criação de animais até 2027 28 setembro 2021

 

Galinhas criadas livres em campo no norte da Califórnia, EUA. Foto: iStock

Em meados de junho, o Parlamento Europeu se comprometeu a iniciar a eliminação gradativa do uso de gaiolas em sistemas de criação animal em toda a União Europeia (UE) até 2027. A iniciativa, liderada pela organização britânica Compassion in World Farming (CIWF), arremata as restrições ao engaiolamento impostas no bloco no passado e pode alavancar ainda mais o diálogo sobre bem-estar animal em outras partes do mundo, inclusive no Brasil.

O confinamento em gaiolas é questionado há anos por não permitir que os animais exerçam seus comportamentos naturais de maneira adequada. No âmbito das questões relacionadas ao bem-estar animal, as criações convencionais, calcadas no engaiolamento, costumam expor os animais a distúrbios locomotores e comportamentais, dizem os especialistas. Eles sustentam que modelos de criação alternativos, cujas estruturas respeitem minimamente as necessidades fisiológicas dos animais, podem mostrar o caminho para alinhar sustentabilidade às cadeias produtivas.

Em 2012, a UE já havia decretado o banimento de gaiolas em bateria na criação de galinhas poedeiras. Nesta modalidade de criação, amplamente difundida em função da alta rentabilidade, as aves são alojadas em áreas onde sequer conseguem esticar suas asas por completo. No ano seguinte, o uso de gaiolas de gestação em matrizes suínas, prática que mantém fêmeas confinadas por boa parte de suas vidas em espaços nos quais mal se movem, também foi proibido pelo bloco.

Enquanto políticas de bem-estar animal progridem a passos largos do outro lado do Atlântico, por aqui elas ainda engatinham. Até hoje, não há dispositivos na legislação brasileira que restrinjam o manejo em gaiolas. Em 2014, um projeto de lei que proibia o engaiolamento na criação animal até chegou a ser aprovado nas primeiras discussões na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), mas permanece em tramitação desde então.

Embora as decisões da UE tenham ajudado a acelerar a solidificação de ações em favor do bem-estar animal no Brasil, a repercussão ainda se mantém fora do campo das leis. No país, ao contrário da realidade europeia, avanços na discussão costumam ser estimulados não pela legislação, mas por questões comerciais. É o que diz o professor Mateus Paranhos, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp em Jaboticabal.

“A nossa história de legislação de bem-estar animal é muito diferente da história da Europa. Os consumidores, via as cadeias líderes de fast-food, exercem pressão sobre os fornecedores para diminuir ou extinguir as gaiolas. Aqui, as mudanças costumam vir por esse caminho”, explica.

A demanda de mercado, transformada nos últimos anos por uma onda de consumidores interessados em conhecer o tratamento a que os animais de produção são submetidos, vem impulsionando cada vez mais produtores a readequarem seus sistemas de criação a padrões mínimos de bem-estar animal.

“Diferentemente do que ocorria no passado, hoje se discute muito sobre sustentabilidade e preservação do meio ambiente, razão pela qual a população começa a se preocupar mais com a origem dos alimentos que consome”, diz o professor José Sartori, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ-Unesp), do câmpus de Botucatu.

Em 2017, uma pesquisa encomendada pela Mercy For Animals (MFA), renomada organização norte-americana de combate a maus-tratos contra animais de produção, e realizada pelo Instituto Ipsos demonstrou que 81% dos brasileiros se preocupam com a forma pela qual os animais são tratados nas cadeias produtivas. Das 1.001 pessoas consultadas pelos pesquisadores, 63% também disseram considerar inaceitável que galinhas confinadas em gaiolas tenham seus movimentos limitados.

Em paralelo à lacuna legislativa, entidades se organizam autonomamente pelo país para assegurar que o bem-estar seja priorizado ao longo da cadeia produtiva. É o caso do Instituto Certified Humane Brasil, braço na América do Sul da Humane Farm Animal Care (HFAC), que concede certificações a fazendas que garantem boas condições de vida aos animais. Neste ano, inclusive, a organização espera alcançar a marca de 300 produtores certificados no Brasil até dezembro.

Líderes da indústria de alimentos, como Arcos Dourados e Burger King, por exemplo, já se comprometeram a abastecer suas cadeias de fornecimento no Brasil exclusivamente com ovos de galinhas criadas sem gaiolas até 2025. A informação é da Humane Society International (HSI), entidade que dialoga com empresas como estas ao redor do globo para promover políticas de proteção animal em operações de produção.

“No Brasil, sinto que a mudança vem com educação e negociação. Isso não quer dizer que a legislação não seja importante. Mas significa que, com esse arranjo, temos menos conflitos e as mudanças evoluem de uma maneira mais sustentável, porque as pessoas são convencidas, e não obrigadas, a mudar”, explica o professor de Jaboticabal. Paranhos estudava em Cambridge, na Inglaterra, quando a decisão de abolir as gaiolas em bateria na UE, anunciada em 1999, fez eclodir protestos entre produtores pelo país.

Apesar de as promessas corporativas animarem, o movimento ainda é tímido em relação à produção nacional. Em março deste ano, na última edição do Business Benchmark on Farm Animal Welfare (BBFAW), importante relatório que avalia anualmente a prática de bem-estar animal na indústria de alimentos em escala global, apenas três grandes empresas com atuação no Brasil demonstraram o compromisso de melhorar a qualidade de vida dos animais como parte integrante da sua estratégia de negócio. Uma delas, inclusive, trabalha desde julho com pesquisadores da Unesp de Jaboticabal e Ilha Solteira para melhorar a interação entre os funcionários e os animais em suas operações.

“A minha perspectiva otimista é de que a gente avança a passos lentos, mas de maneira sustentável e firme, uma vez que todas as mudanças que ocorreram até agora não tiveram retrocesso”, diz Paranhos.

A razão pela qual a produção alternativa ainda cambaleia para ganhar terreno no Brasil é econômica, segundo Sartori. Isso porque os produtores obtêm produções mais rentáveis no modelo convencional do que nos sistemas alternativos. A criação em gaiolas permite às granjas de produção criar, dentro dos galpões, cinco vezes mais galinhas do que no chão, soltas.

“Se o piso comporta 20 mil galinhas, por exemplo, as gaiolas alojam 80, 100 mil, porque são organizadas em andares. Ou seja, o custo de instalação, por ave, é bem maior”, explica.

É o que acontece com a produção dos ovos caipiras e orgânicos, obtidos de galinhas criadas soltas em galpões e com acesso diário a piquetes –modelo denominado free range.

“Os orgânicos são ainda mais caros porque 70% da alimentação das aves precisa ser natural”, diz o professor. Neste tipo de criação, também não se pode utilizar muitos dos aditivos sintéticos usados convencionalmente na formulação das rações. “Isso tudo encarece a produção”.

Assim, para alinhar os ganhos ambientais dos sistemas alternativos ao volume e à rentabilidade da produção que detêm no modelo convencional, os produtores precisam dispor de áreas, instalações e mão de obra em maior número, o que demanda um investimento elevado. “Inevitavelmente, o produto é vendido mais caro porque tem sua produção encarecida”, diz Sartori.

Por Jornal da Unesp

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