
Uma equipe vinculada ao Departamento de Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp, câmpus de Botucatu, participou da elaboração de uma iniciativa que deve ajudar a fortalecer o setor produtivo brasileiro de alimentos de origem animal, especialmente avicultura, suinocultura e bovinocultura.
Idealizado pelo médico veterinário Leonardo Vega, fundador da F & S Consulting, o selo Produtor do Bem foi criado para certificar atividades de produção e abate de animais feitas com total observância aos parâmetros de bem-estar. “O selo é a ferramenta adequada e confiável para atestar a responsabilidade ética do produtor e comunicá-la ao consumidor”, esclarece Vega.
“O selo vai validar os procedimentos adotados pelo produtor e valorizar sua produção. O consumidor, por outro lado, poderá ter a certeza de que está adquirindo um produto gerado por um sistema que se preocupa em criar os animais dentro dos melhores parâmetros de bem-estar. Por fim, o selo deve impulsionar o desenvolvimento do conceito de bem-estar animal dentro do país”, analisa a zootecnista Ianê Correia de Lima Almeida, doutora em Zootecnia pela FMVZ, e colaboradora no desenvolvimento da iniciativa.
Consumidor consciente
Instituída a partir de uma demanda dos consumidores, a certificação de produtos de origem parece ter vindo para ficar. “O consumidor está muito ciente que a produção precisa ter um cuidado ético. Isso só tende a avançar e precisa ser cada vez mais comunicado ao público pelas empresas”, diz Vega. “É a vontade do consumidor que empurra pesquisadores e empresários a um comprometimento com os parâmetros do bem-estar animal”, complementa Ianê.
Consolidada na Europa, a tendência a um consumo mais consciente é crescente também no Brasil. Segundo reportagem da revista Veja, publicada em março passado, a World Animal Protection, ONG com mais de cinquenta anos de atuação na proteção de animais pelo mundo, realizou um estudo em 2016 que apontou que dois a cada três brasileiros não sabem a forma como os animais são criados antes de serem abatidos. Mas esse panorama vem mudando rapidamente. “Hoje o consumidor do Brasil lê rotulagem e se preocupa com o impacto que seu consumo tem na qualidade de vida dos animais e no meio ambiente. O ato de escolher um produto no supermercado não passa mais apenas pelo preço de venda, mas também pela informação da validade, pela tabela nutricional, pela apresentação do produto, entre outros aspectos. O selo vai atender essa nova categoria de consumidor, que está superantenada”.
Daniel Mohallem, um dos sócios da empresa Planalto Ovos Ltda, compartilha essa opinião. “É perceptível que gradualmente o brasileiro está buscando ter mais conhecimento sobre os alimentos que consome. Se em um passado não muito distante a imensa maioria dos brasileiros não fazia ideia de que as galinhas poedeiras eram tradicionalmente criadas em gaiolas, atualmente uma porção cada vez mais significativa da população tem optado por ovos provenientes de sistemas de criação que priorizem o bem-estar animal. O consumidor está se tornando cada vez mais exigente e a adesão a programas de certificação é uma realidade que tende a se intensificar muito nos próximos anos”.
Genuinamente brasileiro
O selo Produtor do Bem traz uma especificidade que deve interessar especialmente a consumidores e produtores brasileiros: é um selo genuinamente nacional. “O projeto do selo foi desenvolvido aqui no Brasil por pesquisadores, produtores, empresários nacionais, dentro da nossa realidade ambiental e de nossos sistemas produtivos”, explica Ianê.
Ela participou fornecendo suporte técnico-científico e embasamento teórico para a elaboração do selo e acredita que o fato de ser nacional fortalece a credibilidade da marca Produtor do Bem. “Tudo foi baseado em protocolos experimentais adequados às condições brasileiras. Ele foi pensado para atender desde o pequeno produtor até as grandes empresas do setor”, esclarece.
“O protocolo ou lista de requisitos para a concessão de um selo de certificação é sempre muito abrangente e, nesse caso, vai desde os indicadores sanitários até indicadores de bem-estar propriamente ditos, levando em consideração inclusive as condições climáticas do Brasil”, salienta a professora Ibiara Paz, da FMVZ. “Tudo que consta no protocolo para a obtenção do selo foi testado, passou por um crivo estatístico e é realmente confiável. Fornecemos informações sobre experimentos anteriores que já fizemos na Unesp, até revisões de literatura para conferir um embasamento teórico aos procedimentos de manejo produtivo”.
A Planalto Ovos Ltda., empresa que conta com cerca de215 mil galinhas criadas soltas que produzem cerca de 180 mil ovos por dia, deve aderir ao Produtor do Bem. “A iniciativa de desenvolver um selo certificador baseado em um protocolo de auditoria genuinamente brasileiro é fantástica. Toda a bagagem técnica aportada pelo protocolo é minuciosamente adaptada à realidade brasileira, considerando as características particulares de cada região e priorizando sempre o bem-estar das aves. Além disso, torna a certificação mais acessível aos produtores. Ao manter as exigências técnicas garantidas através de toda a idoneidade de um processo de rígida auditoria, quanto mais produtores aderirem aos selos de certificação, mais aves serão tratadas adequadamente e maior a segurança para o consumidor”, afirma Daniel Mohallem. “Estamos cientes que se trata de um processo rigoroso, porém estamos confiantes em nossa capacidade em atender às exigências”.
Para o setor avícola, um dos aspectos mais importantes no que diz respeito ao bem-estar animal é o sistema de produção de galinhas livres de gaiolas, ou cage-free. Ao evitar o confinamento dos animais nas gaiolas, o sistema permite que cada indivíduo possa circular de maneira natural pelo ambiente, conferindo um aumento significativo no bem-estar das aves.
Na União Europeia, a adoção do sistema cage-free se intensificou a partir de 2009. O movimento cresceu, apoiado pelo consumidor e as normas atuais determinam que os produtores terão até o ano de 2023 para se adaptarem. A partir de então a criação em gaiolas será definitivamente proibida. Empresas de grande porte como o Burger King e o McDonald’s já anunciaram que a partir de 2025 usarão em suas unidades ao redor do mundo somente mercadorias de granjas que adotem o sistema cage-free. Na França, a venda de ovos produzidos por aves criadas em gaiolas será proibida a partir de 2022. Alguns países como Suíça e Suécia já zeraram a produção de frangos em gaiolas.
Para a professora Ibiara um aspecto facilitador para a adoção dos parâmetros de bem-estar animal, tais como o sistema cage-free é a diminuição do seu impacto econômico na produção. “Em razão do desenvolvimento tecnológico, o custo da implantação de algumas medidas de bem-estar é menor do que o que havia em tempos passados. As tecnologias permitem que o produtor ofereça determinadas condições aos animais sem aumentar excessivamente o valor do custo de produção”.
O processo de certificação também tem um custo próprio, inclusive por conta das adaptações que eventualmente precisam ser feitas para que uma determinada produção atenda aos protocolos estabelecidos para a concessão do selo. Ainda assim, a tendência é que esse investimento seja muito bem recompensado. “É um bom negócio, embora exista um custo inicial”, comenta Vega. “É evidente que o produtor conseguirá colocar seu produto com um valor diferenciado no mercado, pagando o investimento e aumentando a remuneração do seu negócio”.
A previsão dos idealizadores é que ainda neste ano de 2019, algumas empresas de ovos já estejam exibindo nos pontos de venda os produtos certificados com o selo Produtor do Bem. A certificação para os setores de produção de carne bovina e suína virá na sequencia.
Colaborando
A participação da FMVZ/Unesp no projeto do selo Produtor do Bem se deu por meio da aproximação do consultor Leonardo Vega com a equipe da professora Ibiara para o desenvolvimento de pesquisas na área de bem-estar animal, mais especificamente na avicultura. “São duas grandes pesquisadoras dentro da avicultura nacional, e por conta da linha de pesquisa em que atuam e do seu envolvimento com o setor produtivo, solicitamos que nos ajudassem a desenvolver toda a retaguarda científica para dar robustez técnica aos nossos protocolos de bem-estar animal e complementar o que conhecemos bem na prática, com resultados de pesquisas”.
Segundo Vega, os pesquisadores e entidades que ajudaram na elaboração do selo vão continuar a fazer parte de uma espécie de comitê técnico científico. “Os requisitos de auditoria necessitam ser constantemente atualizados, porque o bem-estar dos animais é uma ciência que vai avançando e se renovando. Precisamos estar atentos para que possamos manter os altos níveis. O time de pesquisa que participou dessa primeira fase seguirá participando”. Ianê confirma. “Estaremos sempre à disposição para fazer as pesquisas, os estudos, experimentos ou discussões teóricas que forem necessárias. Além disso, poderemos auxiliar o produtor na transição do seu sistema de produção antigo para um novo e mais adequado aos padrões exigidos para a obtenção do selo, de maneira técnica e científica”.
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