Edital das novas câmeras corporais da PM de SP: policial vai poder escolher se quer gravar ou não uma ocorrência

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Edital das novas câmeras corporais da PM de SP: policial vai poder escolher se quer gravar ou não uma ocorrência 26 maio 2024

Atualmente, equipamento grava de forma ininterrupta todo o turno do policial

O governo de São Paulo lançou um edital nesta quarta-feira (22) para a contratação de 12 mil novas câmeras corporais para a Polícia Militar. Segundo o documento, a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.

Na tarde desta quinta-feira (23), a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o acionamento das câmeras será obrigatório.

Na prática, a mudança pode dificultar investigações de atos de violência policial porque deixará a decisão sobre ligar ou não o equipamento a cargo dos agentes. Especialista ouvido pelo g1 aponta que a câmera não ser usada durante todo o turno policial pode: aumentar o uso da força de forma indiscriminada e sem controle; dificultar a produção de provas para investigações; diminuir a proteção do próprio policial que possa estar numa situação de risco e/ou ter sua conduta questionada.

Atualmente, há 10.125 câmeras em operação no estado que foram compradas por meio de dois contratos, e as gravações são divididas em duas categorias: de rotina e intencionais. Todas elas serão substituídas pelos novos equipamentos e 2 mil novas serão compradas.

Os vídeos de rotina registram todo o turno do policial e são obtidos sem o acionamento, portanto gravam de forma ininterrupta. Atualmente, os PMs não têm autonomia para escolher o que desejam registrar. Tudo é gravado, ao menos em vídeo. O que eles podem fazer é acionar para ativar o som e melhorar a qualidade da imagem.

As imagens ficam arquivadas por 90 dias no sistema do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e, para reduzir os custos, a resolução delas é menor e sem o som ambiente.

Já os vídeos intencionais são obtidos pelo acionamento proposital do policial e ficam guardados por um ano. Elas também possuem som ambiente e resolução superior às gravações de rotina.

No novo edital, não há menção às gravações rotineiras, somente às intencionais. O documento também informa que o acionamento para captura de imagens poderá ser feito de forma remota pelo Copom ou pelo próprio policial. Além disso, os vídeos serão transmitidos ao vivo (live streaming) pela internet para a central da corporação.

Questionada sobre a mudança, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que “as avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema” (veja nota completa abaixo).

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defendeu que o acionamento remoto das novas câmeras corporais pelo Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) trará mais “governança” às gravações das ocorrências policiais. Isto é, será mais fácil fiscalizar o trabalho dos PMs. A declaração foi feita durante agenda na manhã desta quinta-feira (23).

No equipamento atual, não existe a possibilidade da gravação remota, e as imagens são capturadas de forma ininterrupta.

“Você tem a possibilidade de retroagir no tempo [nas novas câmeras]. Então, se houver um estampido, o Copom pode acionar a câmera com o tempo retroativo. Você tem uma governança muito melhor do que vai ser gravado, tem um compliance maior. Você sai daquela situação de ir para uma operação, acabar a bateria, e a câmera não filmar. Então, você vai passar a ter uma governança muito melhor, uma qualidade de imagem muito maior e um controle muito melhor das operações que vão estar em campo”, declarou Tarcísio.

Confira alguns requisitos definidos pelo governo:

o início e o término da gravação serão realizados por acionamento do PM, local ou remotamente, ou em caso de esgotamento de bateria;

ao iniciar a gravação, o vídeo gravado no equipamento deverá retroagir 90 segundos, incluindo sua faixa de áudio no mesmo intervalo de tempo;

encerrado o vídeo intencional, a câmera deverá voltar automaticamente ao modo de espera;

o vídeo intencional deve conter faixa de áudio;

a câmera deverá suportar no mínimo 12 horas de operação em condições de gravação local, porém conectada a plataforma.

Mais tecnologia

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) alega que o equipamento será mais moderno e tecnológico do que o que está em uso.

Entre as novas funções que estão na especificação técnica do contrato, destaca-se a integração do equipamento com o Programa Muralha Paulista, com capacidade para identificação de foragidos e placas de veículos roubados ou furtados.

O governo ainda diz que haverá a possibilidade de compartilhar os registros de áudio e vídeo automaticamente com o Ministério Público, o Poder Judiciário e demais órgãos de controle, seguindo as regras estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Os novos equipamentos também terão ferramenta de áudio bidirecional, permitindo a comunicação entre os policiais de rua e do Copom.

“As câmeras permitirão que eles solicitem apoio durante as ações. Devido à transmissão ao vivo, o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) também poderá acionar outras equipes de apoio quando achar necessário, antes mesmo que os policiais precisem solicitar”.

Armazenamento

Em abril, em resposta a ação da Defensoria Pública de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF), o governo se comprometeu a utilizar câmeras corporais em operações policiais no estado e apresentou cronograma que estabelece implementação até setembro de 2024.

No acordo enviado ao STF, a gestão estadual definiu que os vídeos intencionais deveriam ser armazenados por 120 dias, enquanto os rotineiros por 30 dias.

Entretanto, no novo edital lançado nesta quarta-feira, ficou estabelecido que as imagens podem ser deletadas do sistema após o prazo de 30 dias – diferente do que foi acordado com o STF.

Críticas

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas com a USP, divulgada em 2023, já demonstrou que os batalhões da PM paulista com câmeras corporais tiveram uma redução de 57% no número de mortes decorrentes de intervenção policial, e a efetividade do trabalho da polícia não foi reduzida.

O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, Daniel Edler, vê com preocupação o lançamento do edital em razão da falta de clareza sobre as formas de gravação das câmeras corporais. Para ele, isso pode afetar a fiscalização do trabalho dos policiais e os casos de violência durante abordagens.

“Quando a câmera não tem a discricionariedade do policial, ou seja, quando ela grava todo o turno, ela tem uma redução muito grande do uso da força. E isso dá por vários motivos: pelo policial de fato atuar dentro da legalidade, mas também pela pessoa que está sendo filmada não escalar uma situação, não agredir o policial […] Quando você só tem a gravação a partir da discricionariedade do policial, os estudos mostram o impacto é muito reduzido”, afirma Edler.

Na avaliação do pesquisador, o novo edital “mostra uma clara intenção da polícia de transformar a câmera enquanto um equipamento de fiscalização da ação policial em mais um equipamento operacional”.

“A polícia, o Tarcísio e o Derrite [secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite] falavam que era importante somar funcionalidades à câmera para ela ajudar mais o trabalho policial. O que eles estão fazendo não é somar funcionalidades, é substituir funcionalidades”, diz Edler.

Compra de câmeras

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a expectativa é a de que a licitação gere uma economia entre 30% a 50% para o tesouro estadual em relação ao contrato anterior.

“Se antes cada câmera custava cerca de R$ 1 mil, com o novo edital para a compra dos equipamentos, o valor deve cair para R$ 500”, diz a SSP.

O que diz a SSP

“O edital lançado nesta quarta-feira (22) foi estruturado a partir de estudos técnicos e da análise da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países. As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema.

Deste modo, a Pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior. Ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe, o Copom terá condições de verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. Caso negativo, o dispositivo é acionado remotamente pela central de operações da PM. O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema. O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado.

Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da Polícia Militar por tempo indeterminado. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, as quais permitem cobrir 52% do trabalho operacional no Estado. Com o novo edital, além de manter a cobertura atual e aperfeiçoar a tecnologia, haverá uma expansão de 18%, permitindo atender também outros comandos de policiamento”.

Mudanças de discurso

Secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite, e coletiva de imprensa — Foto: Reprodução/TV Globo

O secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP), Guilherme Derrite, disse no dia 10 de maio, durante entrevista coletiva, que o uso das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares é positivo tanto para a corporação quanto para os cidadãos.

“Eu mesmo na época da campanha questionei a utilização das câmeras e sua eficácia e eu pude acompanhar que ela pode ser utilizada pra outras funcionalidades e isso pode ser muito bom não só para o policial, como para a população”.

A fala representa uma mudança no discurso do secretário, que historicamente se colocou contrário ao equipamento. Há menos de dois meses, em agenda pública, ele chegou a repetir o que sempre sustentou como parlamentar – que as câmeras “inibiam” o trabalho da polícia.

O governo de SP tem esvaziado os investimentos no Programa Olho Vivo, desenvolvido pela gestão João Doria, e elogiado por especialistas na área justamente por evitar mortes e reduzir a letalidade policial.

Fonte: g1

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