
Artigo da Advogada Dra. Vanessa Pereira – FTN Advogados Associados

Tem se tornado cada vez mais frequente notícias de crianças e adolescentes que se submetem a desafios e jogos online para posterior postagem dos vídeos. Ou seja, o que antes acreditávamos ser seguro – manter as crianças em casa -, hoje já não pode ser visualizado dessa forma.
E isso justamente pelo fato de que o mundo digital traz uma série de ameaças às crianças e adolescentes, por exemplo: desafios que induzem à automutilação à morte; pedofilia online e aliciamento sexual; interação com adultos desconhecidos e predadores sexuais; dependência digital; vícios em jogos e apostas online; cyberbullying que são os ataques e comentários online de conteúdo racistas, homofóbicos, religiosos, gordofóbicos; pressões sociais e de consumo, entre diversos outros exemplos que poderiam ser mencionados.
Para se ter ideia dos riscos e, consequentemente, do incômodo que algumas crianças e adolescentes já vivenciaram, a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 ouviu crianças e adolescentes entre 09 e 17 anos de idade e seus pais, revelando que enquanto 29% dos jovens relataram já ter vivido situações incômodas ou ofensivas no mundo digital, apenas 8% dos pais afirmaram acreditar que os filhos já experimentaram situações desse tipo (Agência Senado).
Ora, a discrepância dos números evidencia que os adultos ainda não enxergam a realidade e avaliam ser a internet inofensiva, o que acaba dificultando a proteção de crianças e adolescentes.
Mas então, como proteger essas crianças e adolescentes? A proibição seria um caminho?
Proibir nunca será a medida mais eficaz e justamente não visa a proteção, mas tão somente manter uma distância. E justamente por essa razão é que o Poder Público tem de investir em campanhas educativas, bem como as escolas incluir no currículo acadêmico ou de atividades o letramento digital tanto das famílias como dos pais e responsáveis, a fim de que possam ser esclarecidas e envolvidas no processo de orientação de crianças e adolescentes, tornando um trabalho mútuo e conjunto e não somente da escola.
No entanto, apesar das medidas acima mencionadas serem essenciais, fato é que a discussão e a efetividade destas ainda se mostram aquém do esperado, tornando preciso uma discussão pública a respeito justamente com o desenvolvimento de normas regulamentadoras, a fim de que as empresas de tecnologia promovam uma reforma no ambiente virtual com o escopo de amenizar as exposições dos menores e minimizar os perigos aos usuários de pouca idade, sendo que caso não sigam as normas, seja aplicada a efetiva punição às grandes empresas de tecnologia.
Porém, ainda assim, a melhor ferramenta de proteção é a fiscalização por parte dos pais e responsáveis, visto que as crianças e adolescentes dependem de outras pessoas para terem a proteção que demandam e para verem seus direitos cumpridos, já que são pessoas em desenvolvimento e que não conseguem fazer isso por conta própria. E no mundo virtual não é diferente, já que se muitos adultos caem em golpes e se mostram vulneráveis, porque não as crianças seriam vítimas em potencial?
Ora, os pais e responsáveis não permitem que as crianças circulem pelos centros urbanos hoje sozinhas, visto que são conhecedores de locais inadequados para as crianças, no entanto, não adotam a mesma preocupação e comportamento em relação ao ambiente digital.
Assim, para somar forças ao que já temos, Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, e considerando a lacuna constante de tais marcos legais, é que foi aprovado tanto pela Câmara dos Deputados como pelo Senado Federal o Projeto de Lei n.º 2.628/2022 que se encontra para sanção presidencial.
O projeto em tela atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para o ambiente virtual, criando o chamado ECA digital em que, além de outros pontos, estabelece que jovens até 16 anos apenas poderão utilizar as plataformas com supervisão ativa dos responsáveis e as empresas deverão fornecer ferramentas de controle parental acessível e eficaz, além de prever responsabilização solidária de influenciadores, empresas e plataformas que expuserem de forma indevida crianças, sendo que as multas podem chegar a R$ 50 milhões.
A discussão a respeito do assunto ainda não terminou e certamente está muito longe de ser encerrada, no entanto, é uma reflexão que se faz constantemente necessária a fim de que pais e responsáveis estejam sempre em alerta quanto às ameaças e perigos do mundo digital para as crianças e adolescentes, posto que se aplica a mesma analogia e pensamento da circulação sozinha pelas ruas da cidade.
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