
Cidade teve grande presença de escravizados no século XIX, participou ativamente dos movimentos abolicionistas e ainda carrega os reflexos da exclusão histórica da população negra

Em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, o Brasil oficialmente aboliu a escravidão — o último país das Américas a fazê-lo. Embora a data costume ser lembrada como símbolo de liberdade, a história vivida por cidades como Botucatu mostra que a abolição foi incompleta. O fim legal da escravidão não significou inserção social, muito menos justiça histórica para a população negra.
Botucatu, como centro estratégico da expansão cafeeira paulista no século XIX, teve forte presença de escravizados em sua economia e sociedade. A mão de obra negra esteve presente nas lavouras, nos serviços urbanos e na construção do próprio patrimônio histórico da cidade.
A Botucatu escravocrata
Relatos históricos e registros oficiais apontam que, em 1873, a cidade contava com 703 homens e 613 mulheres escravizados, número alto se comparado à população da época. Na década seguinte, mesmo com a campanha abolicionista ganhando força, famílias tradicionais ainda mantinham centenas de pessoas em regime de escravidão.
Um dos marcos desse período é a Fazenda Lageado, hoje campus da Unesp, mas que durante o ciclo do café foi símbolo da riqueza gerada à custa da escravidão. Em 1881, o proprietário João Batista da Rocha Conceição possuía cerca de 600 mil pés de café cultivados com o trabalho e imigrantes italianos, e também de homens e mulheres escravizados. Há registros da presença de senzalas e dos castigos corporais impostos aos que tentavam fugir.
A estrutura fundiária concentrada, as relações de poder e o discurso paternalista de alguns senhores dificultaram a emancipação plena após 1888. Muitos ex-escravizados permaneceram trabalhando nas mesmas terras, agora como colonos ou meeiros — com remuneração precária, sem direito à propriedade ou acesso à educação.
Resistência e abolicionismo em Botucatu

Apesar desse cenário, Botucatu também teve protagonismo na luta contra a escravidão. Um dos nomes mais relevantes foi o promotor público Antônio Bento de Souza e Castro, que atuou na cidade entre 1869 e 1870. Bento ficou conhecido por organizar o famoso Quilombo do Jabaquara, em Santos, além de liderar os Caifazes — grupo clandestino que auxiliava escravizados a fugirem e se libertarem.
Outro personagem local é o capitão-mor Antônio Teodoro de Oliveira, que libertou parte dos seus escravizados na década de 1870 e incentivou ações abolicionistas na cidade. Grupos formados por negros libertos, como as irmandades religiosas, também tiveram papel importante na resistência cultural e espiritual da população negra, como a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Botucatu.
Os símbolos da memória (e do esquecimento)
A memória da escravidão em Botucatu está espalhada por locais pouco reconhecidos pela população. Um exemplo é a própria Praça dos Abolicionistas, no Jardim Paraíso. Inaugurada em 2007 e revitalizada em 2015, o espaço foi pensado para homenagear personagens da luta pela liberdade, como Luiz Gama, Antônio Bento e Joaquim Nabuco. Lá, foram plantadas camélias, flor símbolo do movimento abolicionista.
O que ficou da abolição?
A abolição sem inclusão gerou uma herança de exclusão. Em Botucatu, como em tantas outras cidades brasileiras, a população negra continuou marginalizada social e economicamente. Sem terras, sem escola, sem reparação.
Os sobrenomes apagados, a falta de políticas públicas específicas e a dificuldade de acesso à universidade e ao mercado de trabalho formal ainda são reflexo da escravidão. A Lei Áurea foi, sim, um marco jurídico importante, mas a verdadeira liberdade ainda é um projeto inacabado. E só será completo quando o passado for reconhecido, debatido e reparado — inclusive nos bairros, praças, escolas e arquivos de cidades como Botucatu.
A abolição
A abolição da escravidão no Brasil foi oficializada em 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel. A medida pôs fim ao trabalho escravo no país, após mais de 300 anos de escravidão e décadas de pressão do movimento abolicionista.
O Brasil foi o último país das Américas a acabar com a escravidão. Antes da Lei Áurea, outras leis já haviam enfraquecido o sistema, como a Lei Eusébio de Queirós (1850), a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885).
A resistência dos próprios escravizados — por meio de fugas, revoltas e criação de quilombos — também foi essencial nesse processo. Apesar da abolição, a população negra continuou excluída social e economicamente, e a luta por igualdade segue até hoje.
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