Fotos: Valéria Cuter
Em qualquer modalidade esportiva sempre existe o atleta da vez, ou seja, aquele que está em melhor fase, que se destaca, principalmente no futebol. Entretanto, quando a boa fase vai embora ou a idade chega, volta a ser comum e com o tempo será somente mais um boleiro entre milhares. Agora, existem aqueles futebolistas que além da fase boa deixam marcas que perduram pela vida toda e são lembradas, mesmo que não estejam mais em vida terrena.
O poderíamos citar aqui dezenas de jogadores conhecidos mundialmente que marcaram época e que deixaram suas marcas no futebol. Caso como o de Leônidas da Silva, o diamante negro que inventou o gol de bicicleta; o Didi com seu chute folha-seca; o Baltazar cabecinha de ouro pela sua facilidade em fazer gols de cabeça; o doutor da bola Sócrates que jogava com o calcanhar; o Pepe, pela violência de seu chute; o Dário Maravilha ou Dadá peito-de-aço que dava nome aos seus gols; o melhor de todos, o rei Pelé, que dispensa comentários; o divino Ademir da Guia; o reizinho do Parque Rivelino; a enciclopédia do futebol, Nilton Santos e tantos outros.
A nível regional cada Cidade tem jogadores que fizeram história e jamais serão esquecidos. Botucatu não foge a regra. A Cidade nos anos 60 esteve na primeira divisão do Campeonato Paulista com seus dois principais times da história: Associação Atlética Botucatuense (AAB) e Associação Atlética Ferroviária (AAF), uma rivalidade notória que chegou ao seu ápice maior por causa de um jogador: Vicente Chirinéa Neto, ou Pulga (Purga), como ficou conhecido no mundo botucatuense da bola. O apelido foi dado por um padre diocesano (Claudino), em razão do menino ser magro, pernas compridas que fazia com que saltitasse e corresse com facilidade e velocidade.
Pulga jogava na AAB, onde se iniciou no futebol profissional em 1953, aos 16 anos, jogando como um verdadeiro ponteiro direito e tinha uma habilidade rara: era um exímio cobrador de faltas. Três anos depois aconteceu a transação mais polêmica da história do futebol botucatuense. Pulga recebeu uma proposta de emprego para trabalhar como ferroviário, deixou a AAB e assinou contrato com a AAF.
Minha média era um gol por partida e o pessoal da AAB não admitiu minha saída e ficou muito tempo uma situação muito ruim entre os dois times. Isso durou muitos anos. Depois que deixei o futebol essa rixa continuou, mesmo com os dois times deixando de disputar a primeira divisão do Campeonato Paulista e jogando apenas o Campeonato Amador da Cidade, lembra Pulga.
Recorda que num jogo entre os dois times no estádio da Ferroviária, houve uma briga generalizada e foi uma pancadaria geral. Só eu, que fui o pivô do surgimento daquela rixa, e o Souzinha, ponteiro esquerdo muito habilidoso e veloz da AAB, que não brigamos. Demorou para a partida ser reiniciada, mas o placar foi 3 a 2 para a Ferroviária. Fiz dois gols.
E foi na AAF, jogando contra o Jaboticabal em 18 de setembro de 1963, que Pulga, então com 25 anos de idade, fez seu grande feito e que nenhum outro jogador conseguiu fazer: dois gols olímpicos no primeiro tempo de partida, do lado esquerdo do campo com a bola entrando duas vezes no mesmo canto. O resultado da partida? 2 a 0. Foi um marco. O segundo gol foi um vídeo tape do primeiro. Tudo exatamente igual. Já tinha feito gol olímpico antes, mas não dois numa só partida, num só tempo e na trave esquerda do estádio em frente da linha da ferrovia, que foi que foi o motivo que me fez trocar a AAB pela AAF, conta o ex-atleta.
O impressionante é que ele lembra a escalação daquele time que, na sua opinião, foi o melhor todos os tempos da Ferroviária: Neuri; Pando, João Preto, Lourenço e Wilson Botão; Adésio e Celso; Pulga, Passarinho, Wilson Bauru e Evanil. Uma particularidade do futebol daquela época era que não havia substituição. O time tinha que terminar a partida com a mesma escalação que iniciou. Mesmo se um jogador se machucasse não podia entrar outro em seu lugar. A única substituição permitida era do goleiro.
Mas, mesmo um grande batedor tem seu dia infeliz. Depois de ser notícia em todos os jornais que cobria o Campeonato Paulista daquele ano, Pulga passou por um dissabor. Jogávamos em casa contra o Bragantino. A partida estava empatada em 2 a 2. O Wilson Bauru caiu na área e o juiz nos arrumou um pênalti. O estádio lotado gritou meu nome, pois era eu o cobrador oficial. Coloquei a bola na marca, tomei distância. Quando fui chutar minha chuteira enroscou numa saliência do gramado e a bola foi parar nas mãos do goleiro. Quase que não chega no gol, recorda.
Pulga abandonou o futebol profissional com menos de 30 anos de idade, mas não deixou de jogar bola e faz parte da história do futebol botucatuense. Até o ano passado, ou seja, com 75 anos de idade ele compunha o time de veteranos da AAF, mas decidiu abandonar de vez o gramado e hoje faz suas tabelas apenas no escritório de contabilidade.
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