Sessenta e quatro anos, mas com espírito de garoto. Quem conhece Mateus Sugizaki, o respeita pela sua sabedoria, mas principalmente pela sua integridade dentro e fora do esporte.
Nascido em Arandú (SP) em 29 de julho de 1946, casado há 40 anos com Clara Tizuko Sugizaki, pai de quatro filhos (Cristina, Mário Mateus, Alexandre Ryuzo e Daniele) e avô de quatro netos (João Alexandre, Bárbara, Cynthia e Júlia Tizuko), sensei Mateus desafiou em 2010 talvez um de seus adversários mais difíceis. Mas ele não estava no tatame.
O diagnóstico de um tipo de câncer no sangue foi uma surpresa. Os meses pareciam anos ? medida que a doença se manifestava. Enquanto isso, a vitalidade e alegria costumeiras davam lugar ao abatimento. Mas agarrado aos ensinamentos de perseverança que o judô lhe ensinara e principalmente no amor e apoio transmitidos pelos familiares e amigos, Mateus aplicou um verdadeiro ippon no invisível inimigo, mantendo-se em pé no tatame da vida como um verdadeiro samurai, um guerreiro. Confira abaixo trechos da entrevista onde ele conta essa história.
{n}Doença detectada{/n}
Desde novembro do ano passado, eu estava com um quadro clínico de anemia, com baixa imunidade a infecções. Somente em março deste ano tive o diagnóstico da moléstia que vinha me afetando, conhecida como síndrome mielodisplásica, um tipo de neoplasia das células sanguíneas. Ao tomar conhecimento da doença, procurei encarar com a naturalidade de quem tem mais um desafio para superar, pois durante o período em que estava realizando os exames prévios, fui tomando conhecimento dos possíveis diagnósticos que poderiam resultar. Entretanto, para a família a notícia foi alarmante e preocupante, porque este seria meu segundo câncer. Eu havia sido submetido ? cirurgia de um câncer de próstata, há cinco anos e posteriormente ? radioterapia.
{n}Convivência com a doença{/n}
Embora eu estivesse encarado com naturalidade a doença e tomado todas as precauções orientadas pelos médicos, recebendo atenção altamente qualificada dos profissionais envolvidos, além do carinho familiar, foi muito difícil superar o dia a dia de manifestação da doença, pois ora era uma enxaqueca violenta, ora eram distúrbios gastrointestinais ou problemas musculares e outros sintomas. Após quatro meses de tratamento, felizmente consegui superar aquele estado crítico da doença e os resultados dos últimos exames foram muito otimistas.
{n}Recuperação{/n}
O apoio de minha esposa, de minhas irmãs e de meus filhos foi fundamental durante todo tempo, desde o período prévio do diagnóstico ao de tratamento e recuperação. Somando o apoio familiar com as manifestações de solidariedade das pessoas amigas e as inúmeras correntes de oração de todas as pessoas que acreditam na intervenção do Todo Poderoso dirigidas ao meu estado de saúde foi, sem dúvida alguma, a grande força para meu restabelecimento. Agradeço os médicos e demais profissionais da saúde que me assistiram com muito zelo, tanto da Faculdade de Medicina da Unesp como na Misericórdia Botucatuense, os amigos, familiares e todas as pessoas que carinhosamente me confortaram.
{n}Conceitos do judô {/n}
Com certeza, através do judô aprendi muitas condutas para superar obstáculos e vencer desafios, pelo fortalecimento do espírito de luta e pelos pensamentos positivos. Em primeiro lugar, com o treinamento de judô a que fui submetido durante minha vida, aprendi a ter paciência para enfrentar todas as situações, superando uma luta de cada vez. Aprendi que o samurai, como guerreiro, deve estar sempre preparado para enfrentar a morte e por isso deve viver intensamente cada dia como se fosse o último, fazendo o melhor de si, cultivando a sabedoria e contribuindo para o bem-estar de sua comunidade. Aprendi que para vencer a minha luta, seja no tatame, seja na profissão ou na saúde eu tenho que estar preparado para fazer o melhor e lutar com toda minha energia. Aprendi que a vitória e a derrota são consequências de meu desempenho, de meu estado de espírito e das energias que me conduzem. A vitória é o resultado desejado e devo ter a compreensão que ela vem coroar, sobretudo a energia canalizada por aqueles que estão ao meu lado, dando forças para conquistá-la. A derrota é apenas um resultado indesejado, do qual eu não tive recursos suficientes para superar e por isso tenho que aceitá-la com resignação.
{n}Grande desafio{/n}
Esses aprendizados e outros próprios da prática do judô, como disciplina e respeito, me levaram a enfrentar a doença como um grande desafio. Os desafios sempre estimularam meus sentidos de procurar os caminhos e os meios da superação. Assim foi no judô, que comecei a praticar com 11 anos de idade e pelas minhas características hereditárias eu era o de menor estatura da turma. Naquela época, o judô era disputado somente por graduação de faixa e não pelo peso corporal. Eu treinava muito e com muita disciplina para vencer meus adversários, que em geral eram maiores fisicamente, e posso dizer que consegui, pois obtive o título de campeão brasileiro absoluto, uma categoria sem limite de peso, enfrentando adversários de até 150 quilos. Assim foi na minha vida profissional durante a qual tive chance de participar de seis expedições científicas na Antártica, enfrentando os desafios da adversidade climática, com temperaturas negativas e das condições de trabalho uma vez que meu projeto envolvia a pesca no mar gelado.
{n}Pior momento {/n}
Sinceramente, durante uma crise causada por qualquer moléstia é sempre o pior momento, especialmente para quem nunca teve uma dor de dente. Quando foi diagnosticado o câncer da próstata nada pude sentir, porque estava no início do processo e não afetava nenhuma função. Além do mais a cirurgia foi realizada com muito sucesso, não tendo qualquer sequela ou alteração funcional. Porém com esta outra doença foi muito diferente, pois além de ficar em isolamento para não correr o risco de infecções devido a baixa resistência, também experimentei sintomas de dores e mal estar como consequência da moléstia ou da reação ? medicação. Felizmente tudo isso já ficou no passado. Durante esse período, muitas coisas passaram pela minha cabeça. Nos momentos das crises de dores e mal estar, fazia exercícios respiratórios para minimizar esses estados juntamente com minhas orações para aliviar. Fora das crises, ficava alimentando sonhos de construir e realizar, fazendo reflexões sobre a minha vida e daqueles que me cercam. Procurava ter em mente alguns ideais de viver melhor após a minha recuperação e duas coisas importantes estavam presentes sempre, fora do tratamento médico: orações para fortalecer minha fé e sonhos que seriam as minhas metas após a recuperação.
{n}Superação da doença{/n}
Ter superado as crises da doença é vencer um desafio. Vem a sensação agradável de uma conquista importante e nem por isso pode-se abusar da situação, deixar de ter os cuidados necessários. No esporte aprendemos que após uma conquista o treinamento tem que ser redobrado para manter o estado de ânimo elevado e sem descuidar das próximas etapas. Portanto, manter em estado permanente de alerta e sobreaviso é importante. Por outro lado, permite fazer novas projeções e, principalmente, no caso de recuperação do estado de saúde, a gente tem conhecimento mais abalizado das limitações do ser humano e, portanto, o viver intensamente passa a ter valores mais voltados para o próximo. Porque foi pelas energias do próximo que conseguimos a conquista mais importante e, embora não possamos retribuir diretamente, sempre fazemos nossos agradecimentos e nossas orações silenciosamente. Isso traduz claramente o poder daquilo que chamamos de espírito de equipe.
{n}Volta ao tatame{/n}
Retornar ? s atividades cotidianas corriqueiras é uma benção divina. Apreciar coisas simples como se alimentar com tranquilidade, caminhar, estar no meio das pessoas amigas torna-se fatos importantes. Estar sobre o tatame novamente é uma grande alegria e derrotar a doença realmente pode ser comparado ao vencer o maior dos adversários no judô porque faz parte do passado. Como já citei anteriormente, é importante estar sempre alerta, preparado para os próximos desafios. O samurai vive intensamente cada dia como se fosse o último.
{n}Restrição{/n}
Estou ótimo, não tem qualquer restrição para as minhas atividades. Entretanto, hoje sinto minhas limitações físicas com mais intensidade, não pela doença, mas pela idade e por isso tenho um ritmo menor de atividades. Também foi uma felicidade o meu filho Mário ter preparado nossos alunos para serem profissionais responsáveis e qualificados, de maneira que o Judô Sugizaki continue sua missão no fortalecimento dos ideais herdados do nosso precursor Professor Mata Sugizaki.
{n}Mensagem{/n}
Devemos ter na mente três verbos: sonhar, ousar, acreditar. Sonhar acordado é uma das principais características do ser humano. Sonhar acordado é refletir sobre aquilo que se deseja na vida, é projetar o futuro, é estabelecer objetivos de vida. Ousar é uma característica pessoal de ter coragem para enfrentar desafios que conduzam aos objetivos de vida. Ter coragem é diferente de ter valentia. Enquanto valentia é fuga, é irresponsabilidade; ser ousado significa não ter receio de enfrentar os obstáculos que são impostos nos desafios. Acreditar quer dizer confiar em si próprio para realizar os sonhos, ser determinado e perseverante na edificação dos sonhos. Mais do que tudo, agir, correr atrás da realização do sonho. Obter resultados é outra história que depende muito da gente contar com as pessoas que estão ao nosso lado, de ter o amparo do Todo Poderoso e sobretudo precisa que a gente dê todas as chances para isso acontecer: ter humildade, ter respeito e submeter-se arduamente na busca do objetivo. Posso dizer que todas as ações de minha vida, no estudo, no esporte, na profissão, na sociedade e família, as conquistas e sucessos tiveram a sustentação desses três verbos. Se não consegui os resultados esperados em cada ação, posso afirmar que, no mínimo aprendi um pouco mais para tornar minha vida melhor.
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