O conhecimento popular e o científico podem caminhar juntos para a descoberta de algo que possa contribuir, na prática, à população? Um estudo que tem sido realizado por Fernando Pereira Beserra, aluno de doutorado em Biotecnologia do Instituto de Biociências (IB), da Unesp Botucatu, aponta que sim.Ele acaba de ser premiado na 21ª edição do International Congress of Phytopharm (Congresso Internacional de Fitofarmacologia), realizado na cidade de Graz, na Áustria, entre os dias 2 e 5 de julho.
O evento reuniu cerca de 200 pesquisadores e profissionais de todo o mundo que atuam nos avanços da área de produtos naturais e fitoterapêuticos.Formado em Farmácia pelo Centro Universitário de Gurupi (TO), sua cidade natal, e mestre em Farmacologia pelo IB/Unesp, Beserra obteve destaque no congresso pela análise da ação cicatrizante nas feridas cutâneas em ratos diabéticos após uso de um creme à base de lupeol isolado, uma substância química encontrada em várias plantas medicinais como a sucupira-preta (Bowdichia virgilioides), matéria prima utilizada neste trabalho.
A sucupira-preta é uma espécie de árvore típica do cerrado brasileiro, a qual está enraizada dentro do conhecimento popular para o tratamento de feridas e outras doenças.Trata-se de um estudo inovador e que vai ao encontro das necessidades de pacientes diabéticos. Para se ter ideia, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes estima-se que existam hoje, no Brasil, mais de 14 milhões de pessoas com esta doença crônica. Com a pele mais sensível e maior deficiência na vascularização, os diabéticos apresentam uma cicatrização de feridas mais lenta do que outras pessoas.
O que, consequentemente, gera uma série de transtornos a estes pacientes.“A dificuldade cicatricial em pacientes diabéticos é um grave problema de saúde pública atual, pois os tratamentos existentes no mercado podem não ser eficientes dependendo do tipo e local da ferida. Embora existam inúmeras opções de curativos e tratamentos, a grande maioria desses produtos possui custos elevados ao paciente, tendo em vista a duração prolongada de alguns tratamentos”, justifica.“Assim, o uso de produtos naturais ou plantas medicinais como fonte de substâncias biologicamente ativas são consideradas um caminho bastante promissor para a descoberta de novos medicamentos.
O estudo encontra-se em andamento e tem mostrado diferentes formas de ação, inclusive potencial anti-inflamatório, acelerando o processo de cicatrização através da modulação de citocinas [moléculas que regulam e/ou aceleram o sistema imunológico] cruciais durante esse processo”, complementa.
Suporte na formação
A pesquisa tem orientação da Prof.ª Cláudia Helena Pellizzon, além do suporte de outros profissionais da Unesp e da Universidade Federal do Vale do São Francisco (PE). Ela acredita que a formação de um aluno de pós-graduação passa pela capacidade de elaborar uma proposta de trabalho que permita desenvolver novos produtos.“Nesse ponto a pós-graduação em Biotecnologia do IBB permite uma sustentação na formação do aluno, como é o caso do Fernando Beserra. Nesse trabalho, a equipe multidisciplinar é importantíssima e fortalece as atividades de pesquisa do grupo de pesquisa”, afirma a orientadora.
Para Beserra, que hoje tem 27 anos e foi estudante de escola pública até o Ensino Médio, o prêmio tem uma importância institucional e pessoal muito grande, pois reconhece a excelência e qualidade dos trabalhos realizados dentro da universidade. Com destaque ao apoio do IB e de agências de fomento à pesquisa, como a Fapesp. Ele também enxerga que as pesquisas realizadas no Brasil têm potencial de alcançar degraus de maior destaque no cenário internacional.
Mas, acima de tudo, encontrar soluções aos problemas vividos pela sociedade.“Acredito que a ciência se faz com o tempo e a gente só sabe quando isso tem um impacto científico relevante, anos depois. No meu caso, os estudos realizados até o momento, tanto em animais como em células, têm mostrado efeito cicatrizante da substância. A perspectiva é aplicá-la em humanos como etapa clínica e, futuramente, tornar essa substância ativa, um fitoterápico, que venha contribuir significativamente na vida das pessoas com diabetes”, complementa.
O trabalho ainda contou com a colaboração dos alunos Ana Júlia Vieira, Eduardo Oliveira de Souza, Lucas Fernando Sérgio Gushiken e Profª. Dra. Ariane Leite Rozza, todos do Instituto de Biociências de Botucatu; Prof. Dr. Carlos Alberto Hussni, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/Unesp); além da Profª. Dra. Gabriela Lemos de Azevedo Maia, da Universidade Federal do Vale do São Francisco.