Por Walter Pianucci
Em março de 1933, o mundo descobria os horrores do regime comunista soviético, comandado, na época, por Josef Stalin. As primeiras revelações, vieram através das páginas de vários jornais, entre eles, o Manchester Guardian e New York Evening Post. Na matéria, gritada nas ruas a muitos pulmões por jornaleiros espalhados ao redor do planeta, a fome na Ucrânia e as mortes provocadas por um assassinato em massa, sem precedentes dos camponeses daquele país, eram noticiadas a uma sociedade, ainda iludida, com os discursos hipnotizadores de Hitler e ideias distorcidas de uma Rússia, que aos olhos de muitos, se mostrava progressista, voltada a tecnologia, com futuro promissor da classe trabalhadora.
O homem responsável por todas as informações bombásticas do leste europeu, enfrentando os maiores desafios contra tudo e todos, se chama Gareth Jones, um jornalista intelectual, que arriscou a vida, descumprindo ordens do Kremlin, e registrando imagens chocantes de desespero do povo ucraniano, que morria aos milhares de fome, em meio ao desespero daqueles que agonizavam seu infortúnio.
Jones, foi testemunha ocular do Holodomor, palavra ucraniana que significa “morte por fome” e ceifou a vida de 5 milhões de pessoas, assassinadas sistematicamente, após resistência da Ucrânia a coletivização da agricultura, que em palavras simples, significava que, todas as terras e suas produções pertenciam ao estado. Stalin, como retaliação a rebeldia ucraniana, determinou que os agricultores daquela região, fossem obrigados a atingirem cotas de produção, com metas cada vez mais impossíveis de serem alcançadas.
Gareth Jones, alguns meses antes, se transformou no primeiro repórter estrangeiro, que conseguiu a façanha de entrevistar Adolf Hitler e Joseph Goebbels, numa viagem de avião. Este feito foi fundamental, para que ele adquirisse créditos suficientes, e tentasse uma segunda entrevista. O alvo agora era Josef Stalin.
Mas, dessa vez, o caminho parecia bem mais espinhoso e íngreme, pois o líder soviético era incomunicável com o mundo ocidental. Para piorar ainda mais, as perguntas deveriam ser dirigidas, para que o ditador se sentisse à vontade, dando respostas que melhor se encaixavam as suas pretensões. Stalin, não estava nada interessado em tirar a máscara social mentirosa, que havia montado para iludir o mundo.
Jones foi para Rússia, sabendo de todos os desafios que estavam por vir. Em Moscou, encontrou dificuldades de locomoção e comunicação. Era continuamente vigiado e seu trabalho ficou ainda mãos difícil, após os assessores de Stalin descobrirem que ele pretendia fazer perguntas, não tão ortodoxas, ao líder do Kremlin. Durante um descolamento de trem até Kiev, ele conseguiu se desvencilhar daqueles que o vigiavam, e desceu nas proximidades de Hughesovka. Não foi por acaso que Jones desembarcou ali. Sua mãe, havia sido tutora dos filhos de um industrial famoso galês, naquela localidade.
Ao caminhar por ruas ermas e campos cobertos de neve, o repórter herói pode ver pessoalmente a desgraça imposta pelo governo de Stalin. Corpos espalhados por metros a fio, pessoas extremamente magras brigando por migalhas de pão, seres humanos sendo enterrados ainda vivos agonizando de fome. O desespero era tão grande, que Gareth Jones quase desmaiou, ao presenciar o cenário chocante, de familiares se alimentando de restos mortais de seus parentes mortos. Todas as cenas de terror foram registradas pelas lentes de sua câmera.
Jones foi preso assim que chegou a Moscou. Muito de seu material foi perdido, confiscado pela segurança russa. Ao voltar para a Inglaterra, enfrentou outro inimigo até então inimaginável. Seus próprios compatriotas da imprensa.
Gareth teve dificuldades de aceitação no meio jornalístico, pois suas revelações poderiam ser devastadoras e acabariam desagradando os poderosos políticos do leste europeu. Mesmo assim, as anotações e testemunhos sobre a fome na Ucrânia, foram publicados por muitos jornais, o que criou desconforto com o Partido Comunista russo. Em certos momentos foi chamado de louco, incoerente, desacreditado pela maioria, mesmo com as fotos provando o que havia testemunhado. Como já era famoso pela reportagem com Hitler, seu rosto foi facilmente reconhecido pela multidão, que encarava nosso herói com desdém e desprezo. Jornalistas americanos que moravam em Moscou, repudiaram os textos de Jones, numa clara evidência de defenderem seus interesses junto ao Kremlin. Mesmo assim, as matérias causaram grande comoção mundial e revelaram as mentiras que eram pregadas por Stalin, que até então, iludia o próprio povo e outras nações, com seu governo “perfeito”.
Gareth Jones foi covardemente assassinado dia 12 de agosto de 1935, após passar vários dias nas mãos de sequestradores. Ele faria aniversário no dia seguinte. Até hoje, existem fortes indícios, que o governo russo estaria por trás da morte do jornalista.
Jones é o exemplo clássico de um repórter herói, que nunca se intimidou com a verdade. Sua coragem de enfrentar políticos poderosos da época, deve ser seguida por todos nós. É o típico profissional raiz, que mostra claramente que o papel da imprensa, não é ficar “passando pano” nos erros dos poderosos para benefício próprio. A verdade tem que prevalecer doa a quem doer.
Além de um memorial no Old College da Universidade de Aberystwyth no Reino Unido, existe um filme da Netflix que homenageia nosso herói. “A sombra de Stalin (2019)” da cineasta polonesa, Agnieszka Holland, conta em detalhes a saga de Gareth Jones, com a interpretação perfeita do ator, James Norton.
Walter Pianucci escreveu esse texto de forma voluntária e colaborativa
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