
Com tecnologia 100% nacional, o biofármaco começou a ser desenvolvido há mais de uma década por cientistas do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Unesp de Botucatu.

O Brasil está mais próximo de ter um tratamento inédito no mundo para acidentes com abelhas africanizadas. Pesquisadores da Unesp de Botucatu receberam um aporte de R$ 20 milhões do Ministério da Saúde para iniciar a fase final de testes clínicos do soro antiapílico, desenvolvido inteiramente no país.
O projeto é conduzido pelo Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos (CTS) — um dos Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) da Fapesp — e marca mais um passo importante de uma trajetória que começou há mais de uma década no Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap), também da Unesp.
Soro pioneiro e tecnologia nacional
O soro antiapílico foi concebido a partir de uma tecnologia 100% nacional. Assim como ocorre na produção de antídotos para serpentes, o processo utiliza cavalos imunizados com pequenas doses do veneno das abelhas africanizadas (Apis mellifera), estimulando a formação de anticorpos que depois são purificados para a formulação final do medicamento.
A ideia surgiu em 2009, nos estudos de pós-graduação do pesquisador Rui Seabra Ferreira Jr., coordenador-executivo do Cevap, e ganhou força com o apoio da Fapesp.
“Infelizmente, ainda não existe um antídoto específico disponível na rede pública. O tratamento atual é apenas sintomático — voltado à dor e inflamação — o que torna muitos casos potencialmente graves”, explica o pesquisador.
Problema de saúde pública
As abelhas africanizadas, resultado do cruzamento entre espécies africanas e europeias, são hoje as principais produtoras de mel no país — mas também protagonistas de acidentes cada vez mais frequentes.
Segundo o Ministério da Saúde, entre 2013 e 2023 foram registrados mais de 206 mil casos de picadas, com quase 700 mortes diretas ou indiretas. Só em 2023, houve mais ocorrências com abelhas do que com serpentes.
O aumento desses acidentes está relacionado à perda de habitat natural, ao uso de pesticidas e à aproximação crescente desses insetos de áreas urbanas.
Resultados e próximos passos
Os primeiros testes clínicos, realizados entre 2016 e 2018 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu) e no Hospital Nossa Senhora da Conceição (Tubarão/SC), mostraram segurança e eficácia preliminar: dos 20 voluntários avaliados — com até 2 mil picadas — todos apresentaram melhora clínica e nenhum efeito adverso grave.
A patente do soro foi deferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2023. Agora, com o novo investimento, a Unesp dará início à fase 3 dos estudos clínicos, que envolverá até 200 pacientes. A conclusão bem-sucedida permitirá o pedido de registro na Anvisa e, finalmente, a produção em escala para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Compartilhe esta notícia“Trata-se de um avanço que pode transformar o atendimento a esses acidentes e colocar o Brasil na vanguarda mundial no desenvolvimento de biofármacos”, resume Ferreira Jr.