O sonho do vestibular: “Síndrome do que fazer na vida”

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O sonho do vestibular: “Síndrome do que fazer na vida” 05 fevereiro 2011

Por Isabela Araújo

É nessa época do ano – final de um, início de outro – que a maioria das pessoas é acometida do que chamo de “síndrome do que fazer da vida”. Algumas angústias para com o futuro, um certo alívio por aquilo que ficou para trás, é assim com todo mundo. Mas existe uma parcela dos mortais que passa por esse período de uma forma um tanto quanto especial: os vestibulandos.

Como será minha vida agora?

Caso tenha entrado para a universidade enfrentará as apreensões pela nova vida, novos amigos, em algumas situações, uma nova cidade, novo estado. Ou seja: tudo muito diferente!

Não tendo passado em nenhum vestibular, logo de cara será preciso saber o que faltou para obter o tão sonhado sucesso. Qual conteúdo estudar mais? Parar e pensar se a dedicação foi verdadeira.

E aí, tanto os que entram como os que não entram, pelo menos por um momento, acabam pensando se estão seguindo pelo caminho certo, se fizeram a escolha certa quando optaram por esta ou aquela profissão. E este não é um questionamento que povoa apenas a cabeça dos estudantes. Muitas pessoas seguem um caminho e resolvem mudar de rota no decorrer do percurso.

Nora Jeane dos Santos, formada em agronomia aqui em Botucatu, nasceu em Vitória da Conquista – BA, e mora na cidade há 24 anos. Cresceu participando ativamente das atividades de sua mãe, que num período em que não se ouvia falar em alfabetização de adultos como ouvimos hoje, já estava lá, trabalhando com jovens e adultos na Bahia e mais tarde em São Paulo.

“Eu faço parte de uma saga nordestina maravilhosa. Minha mãe alfabetizou muitos adultos gratuitamente, foi professora emérita na Bahia e em São Paulo, principalmente no período da forte migração nordestina. Somos cinco irmãs e todas trabalham com educação. Minha mãe era uma grande revolucionária e se preocupava muito com nossa educação. Eu não sabia ainda em qual curso gostaria de entrar e como minha irmã mais velha já morava em Botucatu vim prestar vestibular aqui e passei. Amei a cidade! Lembro-me da primeira vez que vi um ipê amarelo florido… eu chorei de tanta beleza. Tudo era fantástico, o aspecto bucólico da cidade, a gentileza das pessoas. E o curso de agronomia para mim era uma síntese de várias ciências, e tê-lo feito me possibilitou ser uma professora de ciências com visão ampla”, conta.

Nora trabalhou sete anos na sua profissão inicial. Fez parte da equipe da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e estava indo muito bem em sua carreira quando se deu conta de que tinha duas opções: ou virava uma burocrata, ou se enveredava pela pesquisa, que segundo ela, nenhum dos dois caminhos continha o seu perfil de atuação. Foi nesse momento que começou a entrar em conflito e pensar no que faria dali em diante.

“Comecei a pensar em largar meu emprego, o doutorado, porque não queria continuar fazendo o que fazia. Fiz uma forte reflexão do que eu queria e me dei conta de que aos nove anos, na quarta série, eu acompanhava os estudos de outras crianças, para ajudar minha mãe. Decidi então, jogar tudo para o alto e recomecei minha vida profissional, dando aulas particulares”, diz.

Ela tinha 32 anos quando mudou sua rota, sua opção de vida. Hoje é proprietária de um cursinho em Botucatu, há 20 anos e não se arrepende da escolha que fez, apesar de, como todas as pessoas, ter seus momentos de indecisão na vida.

Esses questionamentos sobre a vida e o que fazemos dela não é mérito somente de algumas pessoas. Todos nós sentimos momentos de indecisão na vida, porém para os adolescentes esses momentos são quase que uma constante.

Rodrigo Balalai é psicólogo especialista em adolescentes e trabalha no cursinho pré-vestibular da Nora. Ele conta como os familiares e educadores acabam contribuindo de uma forma ou de outra para esse momento na vida deles. “Transição, angústia, pressão, insegurança, indefinição, luto, inconsequência, são muitos os adjetivos que “carinhosamente” atribuímos ao momento adolescente, nós que um dia fomos e que magicamente “apagamos” esse pedaço da vida do nosso hardware mental”, diz.

Segundo Rodrigo, os adolescentes sofrem por terem que pensar numa carreira profissional que seja compatível com seus sonhos, isso se teve espaço para fomentá-los até então, além de quebrar a cabeça para responder se o caminho escolhido lhes dará os confortos materiais que possuem hoje. “Conseguir navegar pelos mares tão sombrios, competitivos e instáveis que o oceano do mercado de trabalho lhes acena é sem dúvida, um cenário que assusta os marujos mais despreparados”, explica.

O psicólogo conclui que tanto em casa como na escola, nossos jovens têm pouquíssima chance de pensar sobre o “que querem ser quando crescerem”. Não apenas pela falta de informação sobre as carreiras profissionais, mas, sobretudo por conta de a família e a educação (escola e sociedade) não promoverem um espaço efetivo para se pensar criativamente sobre o futuro. Esses dois ambientes praticamente “blindam” nossos adolescentes, impedindo-os de entrarem em contato com a realidade viva do mundo que os cercam.

“Nós nos preocupamos em apresentar-lhes um mundo repleto de novas possibilidades, de transformação do cenário social vigente, de um pensamento que concilie realização pessoal e de utopias coletivas? Ou apenas lhes apresentamos o mar das dificuldades, da falta de estabilidade, da competitividade desleal, da falta de escrúpulos, etc, que enfrentamos em nosso dia-a-dia?”, desafia Rodrigo.

“É triste perceber como nossos pupilos são capturados pelo discurso da nossa insatisfação. Não se arrojam em suas escolhas, preferem a “segurança” dos cursos universitários mais reconhecidos pela tradição, do que apostar em novas áreas do conhecimento. Certamente a escola contribui muito para esse desencanto. Matérias chatas e distanciadas das necessidades da vida real, conteúdos para serem decorados a exaustão, segmentação do conhecimento em compartimentos fechados, categorização do ser humano em notas, e agora em síndromes, desempenho a todo custo, aprovação em vestibulares como mote de uma boa educação”, diz.

Segundo Rodrigo “o maior desafio é educar os filhos, principalmente, para os momentos de decisões importantes. Acompanhando a ideia do êxito profissional e do sucesso financeiro, dois ingredientes, infelizmente raros, são imprescindíveis nas conversas e nos exemplos dos adultos: a capacidade de sonhar e criar”.

“Por fim, gostaria de dizer que esse negócio de criar e sonhar está sendo considerado tão démodé, que ao ouvirmos essas palavrinhas torcemos o nariz, esperando aquele discurso açucarado ou obsoleto, mas nenhuma realização humana se deu sem que alguém pudesse ousar”. E finaliza citando Monteiro Lobato: “Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira, mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum!“.

Textos e fotos: Jornalista Isabela Araújo

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